OPINIÃO

50 anos sem Neruda

Neruda foi um homem-revolucionário-comunista-militante-poeta. E amante, amava o amor, e tinha compaixão, empatia.

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JOÃO HUMBERTO MARTORELLI

Publicado em 07/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 07/09/2023 às 7:45
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Em agosto e setembro, morrem os poetas. Os poetas preferem assim, o sinistro sequenciado, o poeta doma a morte, e escolhe a data. Em 17 de agosto, morreu Drummond. Dia 23 de setembro, morreu Neruda, 12 dias depois do golpe que trucidou Allende, o amigo, o militante, o depositário de esperanças. O autoritarismo ceifa a vida e a esperança, matou também Neruda. Todos os poetas morrem quando a liberdade é suprimida. Neruda morreu de câncer de próstata, mas não acredito, já em 1973 diziam que ele teria sido assassinado por envenenamento. Não importa, o poeta morreu.

A poesia é essencialmente a justaposição de belas palavras. Às vezes, como agora, poderia fazer uma poesia com o hormônio liberador de gonadotrofina secretado, em padrão pulsátil, por células localizadas no núcleo arqueado do hipotálamo médio basal. Ou com folículo antral. Basta apanhar um tomo de qualquer ciência, daí extraímos o verso e o ritmo, juntando expressões que, por si sós, expressam beleza, e para quê sentido, ou consequências do verso? A palavra bela, eis tudo. Neruda foi um catador de palavras belas nas raízes dos carvalhos caídos na neve.

Drummond preconizava buscarmos as palavras em estado de dicionário, onde estão mudas e estáticas, não fazer versos sobre acontecimentos, aniversários. Neruda destaca a beleza do nome: Ulan Bator! Quando morrer quero que me enterrem em um nome, em um nome sonoro bem escolhido, para que suas sílabas cantem sobre meus ossos, perto do mar.

Diversamente de Drummond, um funcionário público de terno e gravata, coitadinho, mas não sei se poeta maior ou menor que Neruda, não há campeões em poesia, Neruda foi um homem-revolucionário-comunista-militante-poeta. E amante, pleno de compaixão. Durante muito tempo, não quis publicar sob nome próprio Os Versos do Capitão porque destinados a Matilde, com isso poderia ferir Delia, de quem se separara. Quanta delicadeza no viver, quanto respeito, mais ainda admiro Matilde por ter compreendido e aceitado.

Vivo a poesia como belas palavras, ainda que sem sentido. Em Neruda, diversamente, elas estavam a serviço da causa do amor e do povo. Minha homenagem nos 50 anos de sua morte é esse reconhecimento de poeta que justapõe as palavras belas, mas a serviço de uma causa. Fala, Neruda: Cheguei através de uma dura lição de estética e de busca, através dos labirintos da palavra escrita, a ser poeta de meu povo. Meu prêmio é esse momento da minha vida em que essa mão, que leva o mapa do pampa em suas calosidades e em suas rugas, disse-me com olhos brilhantes: Conhecia-te há muito tempo, irmão. Esse é o laurel de minha poesia, o agulheiro no pampa terrível, de onde sai um trabalhador a quem o vento e a noite e as estrelas do Chile têm dito muitas vezes: Não estás só, há um poeta que pensa em teu sofrimento.

João Humberto Martorelli, advogado

 

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