OPINIÃO

O desenho urbano e a segurança viária

Acidentes, como o do ator Kayky Brito, poderiam ser evitados caso a velocidade da via fosse limitada, e mais ainda se os elementos de desenho urbano tivessem sido adotados, garantindo mais segurança aos usuários e uma experiência urbana mais atraente.

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REBECA VIEIRA DE MELO

Publicado em 09/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 09/09/2023 às 11:30
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Nos últimos dias um acidente envolvendo o ator Kayky Brito foi amplamente divulgado. O Ator foi atropelado ao tentar atravessar a Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. As reportagens sobre o caso vincularam imagens em vídeo do momento do atropelamento e especularam sobre o fato do motorista - que diga-se de passagem prestou socorro ao ator — trafegar ou não em alta velocidade. Outras reportagens alertaram para o fato de que minutos antes, ao tentar atravessar a mesma avenida, o ator teria sido quase atropelado, sobre o qual os repórteres comentaram "estava distraidão". As reportagens tentam buscar um culpado para o acidente.

Dito isto, faço o convite para refletir sobre o desenho urbano da Avenida Lúcio Costa: a avenida margeia a praia, espaço público por excelência, de uso livre e em muitas cidades litorâneas principal ponto de atração de pessoas/viagens aos finais de semana. A avenida possui 4 faixas de rolamento, sendo duas em cada sentido. Dos 42 metros de largura da Avenida, apenas 10m são destinados aos pedestres, 3m aos ciclistas, 5m ao central os demais 24 m são espaços destinados aos veículos, que podem circular com velocidade máxima de, veja bem, 70 km/h. As faixas de pedestres mais próximas do local do atropelamento estão distantes aproximadamente 100 e 200m. De pronto, é possível identificar que, há uma combinação de elementos pouco favorável ao deslocamento de pedestres, alta velocidade e espaço urbano priorizando o veículo motorizado.

Como reação ao atropelamento, o Prefeito Eduardo Paes afirmou que vias com velocidade máxima de 70km/h são um "absurdo" e solicitou aos órgãos competentes mudança do limite de velocidade. De fato, uma cidade que permite alta velocidade em seus núcleos urbanos é menos segura e confortável, com o risco de gerar o aumento de acidentes. Veículos motorizados não devem ter prioridade em lugares onde há presença de pedestres ou ciclistas, principalmente em locais como a Av. Lúcio Costa, orla marítima e espaço de lazer da cidade. Reduzir a velocidade da circulação de veículos nestes espaços é imperativo.

Os limites de velocidade indicados pelo Código de Trânsito Brasileiro (BRASIL, 1997) são superiores ao recomendado pela OMS que, para vias urbanas arteriais, é de até 50 km/h. Em áreas com grande movimentação de pedestres e ciclistas, a recomendação para o limite de velocidade é de 30 km/h, podendo chegar a 20 km/h em ruas compartilhadas. A limitação da velocidade máxima de circulação em 30 Km/h reduz a probabilidade de acidente em 50% (o tempo de reação e freada reduz-se notavelmente), e em caso de acidente as consequências não são graves.

Contudo, além da redução de velocidade, é premente introduzir o Desenho Urbano como uma ferramenta importante para evitar acidentes. A partir do bom Desenho Urbano, é possível adequar as seções viárias de forma a reorganizar caixas viárias, alargando as calçadas, e garantindo dimensões adequadas para o fluxo de pedestres e ciclistas, melhorar as travessias de pedestres, introduzir elementos que contribuam para alertar os motoristas sobre a circulação de pedestres em determinadas vias, ou mesmo adotar elementos redutores de velocidade como as chicanas, estrangulamentos de vias e plataformas, por exemplo. Ou seja, criar artifícios a fim de reduzir a velocidade e redobrar a atenção do motorista. O portfólio de soluções de desenho para melhorar a segurança viária é imenso.

As cidades são lugares para pessoas, lembra o urbanista Jan Gehl, e essas utilizam as ruas não apenas como meio de deslocamento, mas também para descansar, sentar-se, jogar, esperar, contemplar. Desta forma, as cidades precisam ser mais empáticas com seus caminhantes, as pessoas devem ter prioridade no desenho da rua, assim como condições especiais de segurança para os mais vulneráveis, crianças e idosos. Acidentes, como o do ator Kayky Brito, poderiam ser evitados caso a velocidade da via fosse limitada, e mais ainda se os elementos de desenho urbano tivessem sido adotados, garantindo mais segurança aos usuários e uma experiência urbana mais atraente.

Rebeca Vieira de Mello, arquiteta e Urbanista, mestre em Planejamento Urbano, já realizou vários planos de pedestre e mobilidade, no Brasil e em outros países. Atualmente faz parte da equipe de consultores da WSP Brasil

 

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