OPINIÃO

Democracia intrapartidária

O hermetismo partidário, para além de distanciar o cidadão da política e impedir a oxigenação dos quadros, acentua o processo de distanciamento da população em relação aos representantes eleitos

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RONNIE PREUSS DUARTE

Publicado em 09/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 09/09/2023 às 11:27
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O  recente anúncio da aposentadoria de Jarbas Vasconcelos, com a renúncia ao seu mandato no Senado da República, é mais um exemplo que ilustra um fenômeno que se agrava aceleradamente: o empobrecimento da política partidária. Pelas mais variadas razões, figuras de grande expressão vêm abandonando a vida pública, interrompendo trajetórias longevas, enriquecedoras e, sobretudo, imaculadas no que toca à ética no exercício de múltiplos cargos eletivos e de confiança.

Em uma enunciação que não pretende ser exaustiva, pode-se prantear a ausência da disponibilidade, junto ao eleitorado pernambucano, da opção por homens ilustres como Marco Maciel, Roberto Magalhães, Joaquim Francisco, Gustavo Krause, Bruno Araújo, dentre outros como o próprio Jarbas, que prestaram inestimáveis contribuições ao nosso Estado e ao Brasil. Todos passaram décadas servindo ao Povo, transitaram por relevantes funções, e deixaram a vida pública sem acumular riquezas e sem que se tenha notícia de escândalos envolvendo a malversação de recursos públicos ou a obtenção de vantagens pessoais indevidas.

Há mais de três décadas, Ulysses Guimarães já previra um cenário de deterioração progressiva na qualidade da representação democrática. A quem reclamava dos representantes eleitos, dizia o célebre presidente da última Assembleia Nacional Constituinte que a próxima legislatura seria ainda pior. E, infelizmente, o vaticínio vem se concretizando.

Hoje, a atividade política tem contornos peculiares. Não é um ambiente acolhedor para os não iniciados, salvo aqueles cujos vínculos de estreita amizade ou de parentesco, ou a condição midiática de celebridade pública, são capazes de aplainar as veredas e de abrir caminhos no disputadíssimo espaço intrapartidário, este sempre dominado por uns poucos, num contexto que paradoxalmente costuma ser pouquíssimo democrático. É fato que os partidos costumam ter nacionalmente algum(ns) "dono(s)" e, nos diretórios estaduais e municipais, uns poucos "locatários". Inexiste, na prática, perspectiva de dissidências internas capazes de redefinir rumos e de ensejar uma efetiva alternância no âmago da maioria dos partidos políticos, dentro do modelo vigente.

Como as campanhas são caríssimas, e primordialmente custeadas por um fundo eleitoral que beneficia a um número decrescente de partidos após as recentes reformas, temos regras que favorecem a preservação do "status quo", com a renovação de mandatos e a preservação dos espaços de poder daqueles já investidos nas lideranças.

Em verdade, a estrutura atual é perenizada à custa de um pragmatismo absoluto, onde o interesse público costuma ser secundarizado, as ideologias flexibilizadas, e os melhores cargos divididos sem que se priorize uma maior eficiência na gestão pública, mas sim a melhor utilidade para os partidos que são os únicos beneficiários do loteamento dos espaços. A opinião pública, outrora indutora da manutenção das aparências, deixou de meter medo. Em tempos de superabundância informativa, há os exércitos que, atuantes nas redes sociais, são capazes de multiplicar as versões e de minimizar os danos junto à população transparece anestesiada, indiferente ao "normalizado" delinquir com a coisa pública.

O hermetismo partidário, para além de distanciar o cidadão da política e impedir a oxigenação dos quadros, acentua o processo de distanciamento da população em relação aos representantes eleitos, num fator de tensão potencialmente capaz de pôr em risco, a médio prazo, a própria normalidade democrática. Assim, em tempos nos quais se discute uma reforma política, o fomento da democracia intrapartidária é ponto merecedor da mais atenta consideração.

Ronnie Preuss Duarte, advogado e ex-presidente da OAB-PE

 

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