A relação inversa entre polarização política e violência
A polarização política não é variável importante relacionada a violência comum. As MVIS computam todas as "mortes matadas", como os homicídios dolosos, os latrocínios, as mortes decorrentes de ações policiais e os assassinatos de policiais. Sendo o principal indicador de violência.
A violência é um fenômeno multivariado e possui várias causas para o seu incremento. A violência medida pelos números de Mortes Violentas Intencionais (MVIS) é um indicador proxy de violência que serve de parâmetro de controle da criminalidade violenta. A polarização política é um fenômeno político-social no qual extremos opostos se digladiam pelo poder. A moderação e o centro da política tem pouca, ou nenhuma, capacidade de consenso, gerando na sociedade grande insegurança no debate político, com não raras cenas lamentáveis de violência entre os rivais e ações extremas dos órgãos de controle, como os tribunais de justiça. A questão que discutiremos aqui é se a polarização política no Brasil nos últimos anos reverberou em mais violência tendo como medida desta as MVIS.
Desde 2017, com a assunção de Temer à Presidência depois do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, o desgaste do Partido dos Trabalhadores (PT) gerado pela Operação Lava-Jato e a ascensão meteórica do então deputado federal conservador Jair Bolsonaro, a polarização política tomou o cotidiano do brasileiro, não sendo poucas as vezes de casos nos quais cidadãos se agrediram em torno da questão política, chegando em alguns extremos ao homicídio.
Em 2018, com a prisão de Lula, principal nome do PT à Presidência, e a sua retirada da disputa pelo cargo de Presidente da República, e com a posterior vitória de Jair Bolsonaro, as querelas entre bolsonaristas e petistas/esquerdistas cresceram e dominaram, e ainda dominam, o cenário político-ideológico do brasileiro. A polarização continua até o presente momento.
No entanto, a tese de muitos jornalistas e acadêmicos é que essa polarização estimulou a violência e fez crescer os conflitos que tiveram como resultado a morte. Com os decretos de Bolsonaro para flexibilizar o acesso às armas de fogo, essa tese se tornou mais forte, principalmente nos bancos das redações dos principais jornais do país e nas falas de alguns acadêmicos ligados ao lado progressista da análise política.
Voltando para os MVIS como proxy de violência, a relação entre a polarização política e a violência foi inversa. Na verdade, houve queda da violência no país entre os anos 2017 e 2022 na ordem de -26%, quando os números caíram de 64.078 MVIS, em 2017, para 47.508 em 2022, mais de 16 mil mortes a menos no comparativo. Todavia, o comportamento dos dados não foi linear no período 2011/2022 no qual houve mais de 650 mil MVIS no Brasil, com a média de 54.447 MVIS e uma taxa circulando em torno de 25 mortes por cem mil habitantes, quando a média mundial é de seis por cem mil, a média das Américas é de 17/100 mil e o nível epidêmico é de 10/100 mil.
A variação percentual no período 2011/2017, antes da polarização política, foi de 36%, saltando de 47.215 MVIS para 64.078 MVIS. Já no período 2017/2022, como já dito, a queda foi na ordem de -26% o que refletiu numa redução importante nas taxas de violência por cem mil habitantes, caindo para 22,3/100 mil quando em 2017 ultrapassou os 30/100 mil. Ou seja, a polarização política não se refletiu em mais violência como o esperado pelo senso comum, pelo contrário, o que houve foi uma expressiva redução dela.
Na região nordeste os dados são bem interessantes. Alagoas e Paraíba apresentaram queda nos dois períodos (antes e depois da polarização política), sendo dos nove estados nordestinos os dois a apresentar queda no comparativo 2011/2017 (-20%; -23%,respectivamente) e no comparativo 2017/2022 (-38%; -19,4%, respectivamente). No acumulado para o período todo (2011/2022), Alagoas apresentou variação de -51%, enquanto a Paraíba apresentou recuo de -38%, o que reforça a tese das políticas públicas desses dois estados serem o componente principal de redução da violência, não obstante a polarização política existente no país.
Alagoas e Paraíba apresentaram bons índices no ranking nacional de desempenho da Segurança Pública recentemente divulgado. A Paraíba, com maior destaque, ficou em terceiro lugar entre os estados do país em sua política de segurança pública. Já Alagoas, ficou em nono lugar.
Pernambuco teve crescimento em suas MVIS no período 2011-2017 na ordem de 61%, saltando de 3.378 MVIS em 2011 para 5.427 MVIS em 2017. Muitos apontaram para a falência do programa de Segurança Pública do governo, o Pacto Pela Vida. Mas, a partir de 2018 os dados começaram a apresentar recuo, tendência vista em quase todas as unidades federativas estaduais do país, chegando a uma redução de -37% nos números de MVIS no comparativo 2017-2022.
Portanto, a polarização política não é variável importante relacionada a violência comum. As MVIS computam todas as "mortes matadas", como os homicídios dolosos, os latrocínios, as mortes decorrentes de ações policiais e os assassinatos de policiais. Sendo o principal indicador de violência.
Podemos assim concluir, parcialmente, que a polarização política é um fenômeno social e político que gera conflitos e querelas entre indivíduos, mas que não resulta necessariamente em assassinatos. Pode se medir a polarização política em termos de violência política, por exemplo, quando o sistema político tenta impedir uma determinada linha de pensamento de disputar o poder através de eleições livres e limpas, como faz o STF com os bolsonaristas e simpatizantes, mas no que diz respeito as MVIS não há relação, ou melhor, há uma associação inversa entre os dois fenômenos. O oito de janeiro mostrou que a polarização política aumentou num quadro de redução da violência.
José Maria Nóbrega, doutor em ciência política pela UFPE, professor associado da UFCG.