OPINIÃO

Acaso e circunstâncias: de tiririca a berinjela

Para quem sequer aprendeu a plantar banana, ou batata, no Colegial Agrícola, chegar a berinjela é uma evolução que ameniza o atropelo da lida agrícola no período escolar de finais dos anos 1960 - subvertida por "revolucionário" arroubo juvenil.

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TARCISIO PATRICIO DE ARAUJO

Publicado em 12/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 13/09/2023 às 13:28
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Os dois vocábulos fundantes do título acima são, sabidamente, peças-chave na vida de todos nós. Para o bom e o ruim, sucesso ou fracasso. E tudo é circunstância. Eu, não sendo do clube de crentes em desígnios divinos, apego-me bastante a estas duas peças. E isso vem com descoberta recente associada a minha aproximação maior com agroecologia. Algo que começou com o interesse por estudos sobre o Programa Comunidade Solidária (1994-96). O que veio a dar em trabalho na trincheira da 'agricultura orgânica'. E em pesquisas que combinam dados secundários (econômicos, demográficos) e informações captadas via pesquisa qualitativa. Coisas da Academia universitária e de instituições de pesquisa.

Anos e anos idos, até aí chegar. Em 1966-68, a tentativa de realizar sonho do Jardim de Infância, período inicial da escola: ser engenheiro agrônomo. Ocorre que o que seria prática agrícola teve como eixo central a tarefa de arrancar tiririca em terras da Escola de Agronomia do Nordeste, brejo paraibano, no Curso Colegial Agrícola, equivalente ao então Científico. Tiririca, enxerida e persistente erva daninha, também conhecida como capim dandá e "alho", inimiga ferrenha de plantações. Um bom recurso para poupar tempo e esforço do professor.

Daí à cachaça e à transgressão adolescente que redundou em "práticas subversivas" para 'derrubada da ditadura militar' e 'construção da via socialista no Brasil'. O que havia começado como sonho veio a ser delírio. Consequentes linhas transversas que trouxeram punição pela "Lei de Segurança Nacional", e cassação do direito de frequentar uma universidade por três anos letivos - aplicação do famigerado "Decreto 477". Grande mudança de rota. Algo incidental, que não estava no roteiro.

Veio a mudança de Agronomia para Economia, e a lida do magistério e da pesquisa, inclusive estudos sobre o mundo rural e agricultura orgânica. Experiência que resultou na publicação, em 2015, do livro "Feiras Agroecológicas - institucionalidade, organização e importância para a composição da renda do agricultor familiar" (Fortaleza, Instituto de Desenvolvimento do Trabalho e Núcleo de Economia Solidária da UFPE), parceria com Roberto Alves de Lima e Júnior Macambira. É útil que se destaquem alguns resultados deste estudo, no âmbito de Pernambuco. Um, são frágeis os pilares do esperado controle social da comercialização nas "feiras agroecológicas", ao arrepio da pretensão inscrita em regulação baseada em recomendações da OIT; a OCS (Organização de Controle Social) é, na prática, substituída por um coordenador ad hoc, que gerencia a tabela de preços e tem responsabilidade por dar assistência técnica aos produtores. Dois, é frágil o caráter associativo, e práticas desviantes surgem, a exemplo de complemento da oferta de produtos com itens de origem não-orgânica; algumas feiras saem mais da rota, cabendo ao consumidor ir conhecendo as melhores feiras e os produtores mais conscientes. Três, as famílas que têm melhor condição de levar produtos do sítio às feiras, cobrindo os custos (inclusive de transporte) são as mais aquinhoadas. Quatro, a renda média obtida nas feiras é bastante superior à renda agrícola do pequeno agricultor, que serve de base para atendimento pelo PRONAF.

E aqui volto a um olhar em escala mais ampla. Dez anos depois da 1ª consulta ao The World of Organic Agriculture Statistics and Emerging Trends (FiBL & IFOAM, agora a edição de 2022), a agricultura orgânica aparentemente continua sendo um pingo no oceano: 190 países, Brasil incluso, ocupam a mesma fração da terra agricultável do Globo (https://www.fibl.org/fileadmin/documents/shop/1344-organic-world-2022.pdf) - menos de 2,0%. Note-se, entretanto, que se trata de número a ser visto com cautela. Afinal, há diferença substancial entre países - tamanho, cultura e grau desenvolvimento, e respectivas taxas de ocupação de terra por culturas orgânicas. Além disso, é número afetado pela produtividade. Em termos de mercado, o que se vê é expansão das preferências pelo que seja orgânico, embora os controles necessários de garantia se revelem mais frágeis entre países; e - no Brasil, por exemplo - entre regiões. Tudo considerado, pode-se arriscar que a demanda cresce e se mantém em expansão.

De volta ao presente imediato, e em vias de encerramento, este relato ganha ares de utilidade pública. Pois é, foi necessário bastante tempo para eu finalmente descobrir, mais de dois anos depois de encerrar 42 de vida na UFPE, que esta instituição abriga a BERSO (Biorrefinaria Experimental de Resíduos Sólidos Orgânicos), no Departamento de Energia Nuclear. Tais resíduos, gerados no campus da Universidade, servem de material para pesquisas, tendo descarte extremamente útil a quem se interessa por horticultura no meio urbano. Achado que vem a calhar, no que tange a projeto de horta comunitária no Condomínio que abriga minha família e eu. Algo que propus e foi aceito na primeira assembléia de que participei, e desde então coordeno, reunindo esforços de diversas pessoas. Horta que já dá, com generosidade, manjericão e berinjela, além das mais triviais hortaliças, e até mamão formosa. [Devo o achado da BERSO a Maria Elisa, de quem fui, na UFRPE, examinador na Banca de Qualificação do Projeto de Dissertação, e Membro Externo da Banca de Defesa do trabalho, em agosto 2018].

Para quem sequer aprendeu a plantar banana, ou batata, no Colegial Agrícola, chegar a berinjela é uma evolução que ameniza o atropelo da lida agrícola no período escolar de finais dos anos 1960 - subvertida por "revolucionário" arroubo juvenil.

  

Tarcisio Patricio, doutor em Economia e professor da UFPE, aposentado.

 

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