OPINIÃO

As instituições e os homens

O mínimo que se pode dizer é que o ministro Dias Toffoli determinou a impunidade para os crimes de colarinho branco e, desta forma, contribuiu bastante para sujar a imagem já desgastada do STF.

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SÉRGIO C. BUARQUE

Publicado em 13/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 13/09/2023 às 13:29
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As instituições são o sustentáculo da democracia. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário, com autonomia e funções diferentes, formam os pilares da institucionalidade democrática do Brasil. Por isso, temos que manifestar todo respeito pelas instituições e defender a sua integridade e atuação contra as ameaças e violências de forças autoritárias e golpistas. Entretanto, as instituições são formadas por homens (seres humanos) com suas ideias, vontades, interesses, vícios e fraquezas. Sendo, portanto, tão imperfeitas quanto os humanos, as instituições são muito mais do que a síntese das qualidades e dos defeitos dos seus membros.

Mesmo criticando o que se consideram equívocos ou decisões pouco republicanas das instituições ou de alguns dos seus membros, a sociedade deve continuar respeitando e defendendo as instituições, porque só assim asseguram a democracia. Na verdade, as críticas (com firmeza e reverência), são também uma forma de defesa das instituições, de pressão para o aperfeiçoamento e o enquadramento nos princípios e padrões republicanos e democráticos. A sociedade brasileira tem manifestado insatisfação com o desempenho das três instâncias do sistema democrático pelo baixo índice de confiança e respeitabilidade, expressa em pesquisas de opinião. A mais recente pesquisa do IDEC mostra o Poder Judiciário com nota 53, numa escala de zero a cem, em décimo quarto lugar, num conjunto de 20 instituições analisadas, passando pelo canto, como diríamos na avaliação escolar. E ainda, assim, tem uma posição melhor que o executivo (o Governo Federal) que alcançou 52 (décimo sexto lugar) e que o Congresso, com nota 40, situado em penúltimo lugar, na frente apenas dos Partidos Políticos.

Nenhuma das três instituições é mais importante que a outra, mas o Judiciário tem um papel especial na aplicação das leis que regem a vida em sociedade, embora muitas vezes extrapolem os limites da sua responsabilidade, legislando em questões que cabem ao Congresso Nacional. E, dentro do judiciário, o STF-Supremo Tribunal Federal é uma instituição com a mais alta relevância, na medida em que constitui a garantia e a defesa da Constituição. Formada por ministros, com as suas próprias ideias, interesses e fraquezas, seus votos (que deveriam ser juridicamente técnicos) podem ser contaminados por seus valores e posições político-ideológicas. Quem não lembra da decisão do STF que impede a prisão de condenados em segunda instância, alterando o que tinha sido definindo em 2016 pela própria instituição? Decisão que generaliza a impunidade para quem tem dinheiro para pagar um bom advogado e empurrar o julgamento para a eternidade? Como disse, na época, a ministra Carmen Lúcia, a norma permite que aqueles que dispõem de meios para "abusar" de recursos são capazes de postergar a conclusão do processo a fim de garantir a prescrição.

Em deliberação, no mínimo controversa, de forma monocrática, o ministro Dia Toffoli anulou o acordo de leniência assinado pela Odebrecht com o Ministério Público e aprovado, antes, pelo pleno do STF-Supremo Tribunal Federal. O acordo de leniência é um compromisso assumido voluntariamente por empresas que reconhecem a sua participação em atos ilícitos e se dispõem a devolver aos cofres públicos recursos que tenham sido adquiridos ou utilizados ilegalmente. Toffoli anulou tudo. Pior que o ato foi o seu discurso, de conteúdo claramente político, declarando que o processo contra Lula (que está na origem do acordo da Odebrecht) teria sido um dos "maiores erros judiciários da história do País". Quando anunciou o despacho jurídico, o ministro parecia repetir as palavras do próprio presidente Lula da Silva (que, não por acaso, o nomeou ministro do STF, como uma forma de premiar o ex-advogado do PT-Partido dos Trabalhadores).

Como resultado da operação Lava Jato, foram fechados 43 acordos de leniência com empresas envolvidas em esquemas de corrupção, que permitem a recuperação pelo Estado de 24,5 bilhões de reais (o acordo da Odebrecht prevê a devolução de quase três bilhões aos cofres públicos). Como parte destes acordos, a Petrobras já recebeu R$ 6,28 bilhões de reais de empresas, empresários e diretores que participaram do esquema de corrupção na estatal. A decisão de Toffoli suspende a devolução prevista nos acordos de leniência e ainda permite que todas as empresas, e não apenas a Odebrecht, solicitem o resgate do que foi devolvido para os cofres públicos e para a Petrobrás. O ministro ignorou tudo, incluindo as várias denúncias e comprovações documentais da corrupção da Odebrecht, desviando dinheiro público de obras, para distribuição de propina (provenientes de recursos desviados de obras públicas) com dirigentes de empresas e políticos, incluindo o atual presidente Lula da Silva.

O mínimo que se pode dizer é que o ministro Dias Toffoli determinou a impunidade para os crimes de colarinho branco e, desta forma, contribuiu bastante para sujar a imagem já desgastada do STF. A sociedade brasileira deve continuar defendendo as instituições, especialmente a Suprema Corte, que tem sido atacada pela direita bolsonarista. Mas, convenhamos, alguns dos componentes destas instituições não ajudam muito (muitas vezes, dificultam bastante) no esforço coletivo de consolidação do sistema institucional da democracia.

Sérgio C. Buarque, economista

 

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