OPINIÃO

A colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid

O que é certo é que os compromissos assumidos pelo delator devem ser comprovados por outras provas, já que o acordo é apenas um meio de obtenção de prova....

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Adeildo Nunes

Publicado em 14/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 14/09/2023 às 15:52
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No Brasil, o instituto da colaboração premiada só se viu regulamentada com a aprovação da Lei Federal nº 12.850, de 02.08.2013, a denominada Lei das Organizações Criminosas, que sofreu profundas modificações com o advento da Lei nº 13.964, de 2019. A legislação sobre a matéria é deveras extensa, impossibilitando comentários densos em toda a sua plenitude, neste espaço do JC. Porém, pode-se afirmar que a LOC, originariamente aprovada e as alterações já produzidas é uma das legislações mais moderna do mundo, sendo copiada em muitas nações, considerando a sua boa técnica legislativa e a definição dos novos institutos criados. Uma das suas criações mais importantes está na regulamentação da colaboração premiada, modelo que de há muito existe nos Estados Unidos da América e na Itália, principalmente. A Lei definiu as características das organizações criminosas, sobre a sua investigação criminal, os meios de obtenção de prova, criou novas figuras criminais e estabeleceu regras claras relativas ao procedimento criminal a ser aplicado.

Considera-se organização criminosa, nos termos da lei, a associação de mais de 4 (quatro) pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou quem sejam de caráter transacional.

Especificamente sobre o acordo de colaboração premiada, sabe-se que ele pode ser celebrado durante a investigação criminal, no curso do processo penal ou até mesmo depois da sentença penal condenatória transitar em julgado, é dizer, na fase de execução da pena. Seis etapas padrão existem comumente que se desenvolvem durante o procedimento da colaboração: a negociação, a formalização do acordo, a sua homologação, a colaboração efetiva com a produção de provas e, por fim, a fase da sentença, onde são concretizados os benefícios ao delator.

O momento inicial da colaboração premiada é caracterizado pelas negociações para a definição dos contornos do acordo que guiarão a postura cooperativa do imputado e a contraprestação estatal determinada no prêmio, essencialmente pautado pelo abrandamento de sua sanção punitiva. Portanto, a negociação entre o membro da organização (delator) e o Estado (Polícia Judiciária ou Ministério Público), é o momento em que devem ser discutidas e ajustadas as obrigações impostas ao colaborador, o tipo de informação que será prestada à autoridade pública, e os benefícios que o delator gozará, se as suas informações forem suficientes para identificar, por meio de outras provas, os nomes e o tipo de participação dos demais partícipes.

As negociações que podem culminar com a celebração do acordo escrito de colaboração geralmente ocorrem por iniciativa do delator ou através do seu defensor, propondo prestar importantes informações ao Ministério Público ou à autoridade policial, comprovando a sua condição de partícipe do crime e manifestando, por conseguinte, a sua intensão de prestar informações e colaborar sobre a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas, a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa, a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização, a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa ou, finalmente, a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Como todos os atos que envolvem a colaboração, o sigilo deve ser sempre preservado.

Porém, nada impede que a iniciativa para o acordo possa ser de iniciativa das autoridades públicas (Ministério Público/Polícias). O que deve existir, sempre, é a voluntariedade por parte do delator, que deve concordar com o acordo de forma espontânea e sempre acompanhado com o seu defensor particular ou público. O acordo entre o colaborador e a Polícia Judiciária só pode ser realizado durante a fase de investigação. Iniciado o processo penal ou a execução da pena, o pacto, obrigatoriamente, só poderá ser concretizado entre o Ministério Público e a defesa do delator. Pela ADI nº 5508, julgada em 20.06.2018, o plenário do Supremo Tribunal Federal autorizou a celebração do acordo pela Polícia Judiciária e delator, desde que ele seja concretizado antes ou durante a investigação criminal, embora o representante do Ministério deva ser informado da realização do acordo de colaboração.

Recentemente, o tenente-coronel Mauro Cid celebrou um acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal, homologado pelo ministro Alexandre de Moraes, mas o conteúdo do acordo deve permanecer em sigilo absoluto, até o recebimento da denúncia, se houver, pelo Ministério Público. O que é certo é que os compromissos assumidos pelo delator devem ser comprovados por outras provas, já que o acordo é apenas um meio de obtenção de prova, daí porque ninguém pode ser condenado exclusivamente com base no conteúdo da colaboração.

Dependendo do que for acordado, comprovada a veracidade das informações prestadas, como recompensa pelas informações fornecidas, o delator poderá se beneficiar com o perdão total da pena, com a sua redução ou com o cumprimento de penas restritivas de direitos, cujo tipo de benefício deverá ser parte integrante do acordo da colaboração pactuada. Se até a sentença não restarem confirmadas as informações prestadas pelo colaborador, o juiz poderá revogar o acordo, nesse caso, com graves consequências jurídicas para o delator.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, professor, Advogado Criminalista, Doutor e Mestre em Direito, autor de livros jurídicos

 

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