OPINIÃO

O Código de Defesa do Consumidor deve ser festejado, mas também constantemente modernizado!

Mais que instrumento legal, a robustez de um código do consumidor representa a manifestação de direitos fundamentais dos cidadãos

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FERNANDO J. RIBEIRO LINS

Publicado em 18/09/2023 às 0:01
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FERNANDO J. RIBEIRO LINS

Em setembro, comemoramos os 33 anos da promulgação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no Brasil, um marco que reverbera não apenas em nossos bolsos, mas também no cerne daquilo que entendemos por democracia. Muitos poderiam questionar: como uma lei que rege as relações de consumo poderia ter tamanha relevância para o sistema democrático? Nesse sentido, é preciso entender que uma democracia robusta não se constrói apenas sobre pilares políticos, mas também sociais.

Mais que instrumento legal, a robustez de um código do consumidor representa a manifestação de direitos fundamentais dos cidadãos. Especialmente no Brasil, onde o comércio e a indústria são forças motrizes da economia, assegurar que os consumidores sejam tratados com equidade e respeito é fundamental para equilibrar o jogo. O mercado, em sua natureza, é repleto de assimetrias: empresas possuem mais informações do que o consumidor, há divergências claras de poder de barganha e, frequentemente, os consumidores encontram-se em posições vulneráveis.

As mudanças no mercado e as inovações trazem novos desafios. A polêmica atual envolvendo a venda de milhas aéreas ilustra isso perfeitamente. Muitos consumidores acumulam milhas como benefícios de programas de fidelidade e buscam vendê-las para obter algum retorno financeiro. Contudo, as companhias aéreas proíbem essa prática em seus contratos. O debate levanta questões pertinentes sobre propriedade, direitos do consumidor e liberdade contratual. Até que ponto as empresas podem limitar o uso de um benefício que, em essência, foi "adquirido" pelo consumidor? Estaria o CDC atualizado o suficiente para lidar com essas nuances do mercado moderno?

Empresas como a 123milhas e similares desafiam os contornos tradicionais das relações de consumo. Agindo como intermediadoras, permitem que titulares de milhas emitam passagens para terceiros desconhecidos, uma maneira de contornar as proibições estipuladas nos contratos dos programas de milhagem. Os programas, defendendo a essência de fidelidade do cliente, estabelecem que essas milhas sejam vantagens não-comercializáveis, podendo ser repassadas apenas para amigos e familiares, desde que não haja lucro.

A prática adotada pela 123milhas e empresas semelhantes insere-se em uma área ainda cinzenta da legislação. Em um cenário onde os consumidores buscam constantemente maximizar os benefícios adquiridos, a venda de milhas tornou-se uma alternativa atraente para quem deseja monetizar seus pontos acumulados. No entanto, essa ação coloca em xeque a proposta original dos programas de fidelidade, que é a de recompensar a lealdade do cliente, não sua capacidade de negociar esses benefícios. A 123milhas, ao se posicionar como intermediadora, evidencia a demanda do mercado e a necessidade dos consumidores de terem mais controle sobre seus próprios recursos. Entretanto, e ao mesmo tempo, desperta preocupações das companhias aéreas, que veem nessa prática um potencial prejuízo à integridade e propósito de seus programas de fidelidade. Nesse cenário, surge um dilema: deve-se priorizar o direito do consumidor de dispor de seus benefícios como bem entender, ou assegurar o caráter exclusivo dessas recompensas, como pedem os programas de milhagem?

A resposta a esta e outras questões está no fortalecimento da nossa legislação. Em uma democracia consolidada, é fundamental que as leis evoluam juntamente com as dinâmicas do mercado e as demandas da sociedade. As controvérsias em torno da venda de milhas aéreas apenas destacam a necessidade de revisões periódicas e debates inclusivos. Assim, ao celebrarmos os 33 anos do Código de Defesa do Consumidor, é importante reforçar não apenas sua relevância passada, mas também a importância de seu fortalecimento e modernização contínua para responder aos desafios do presente e do futuro.

E com esse propósito, a OAB Pernambuco, sob a coordenação da nossa Comissão de Defesa do Consumidor presidida pelo atuante advogado Joaquim Guerra Filho, realizará o II Congresso Pernambucano de Direito do Consumidor nos dias 20, 21 e 22 de setembro. Onde estarão presentes diversas autoridades do tema de todo país; momento onde será prestada homenagem à professora Cláudia Lima Marques, dentre diversas atividades, relatora-geral da comissão de juristas do Senado Federal para a atualização do CDC. Todos convidados!

Fernando J. Ribeiro Lins, advogado e Presidente da OAB Pernambuco

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