OPINIÃO

Para um país de mais leitores

E a educação, onde está, senão nos livros?

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JC

Publicado em 25/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 25/09/2023 às 12:43
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A leitura está para a educação como os fundamentos técnicos e físicos para uma atividade esportiva. Ler é exercitar a capacidade compreensiva, fortalecendo a musculatura crítica necessária para o desenvolvimento individual e a formação de uma sociedade amadurecida. Se os primeiros passos na educação estão ligados à alfabetização, a continuidade no processo pede cada vez mais leitura, com participação dos professores e familiares, dentro de um círculo virtuoso de aprendizado e descoberta do mundo, que inclui o apreço pelos livros como uma necessidade elementar que não deve ser menosprezada.

O Brasil não possui poucos leitores, como se repete. O país conta com milhões de apaixonados por literatura, muitos dos quais estudantes, a maioria sem o acesso desejado aos livros. Faltam bibliotecas adequadas nas escolas, com acervos renovados e conservados. Falta uma política de incentivo ao mercado editorial que favoreça editoras e livrarias, valorizando o trabalho de escritoras e escritores num ambiente de negócios propício a um dos mais importantes ofícios criativos da humanidade: o trabalho de assimilação, tradução e exposição de saberes e pensamentos, na contínua reformulação cultural trazida pela literatura.

E falta melhor consciência política para os ganhos incalculáveis, de longo prazo, advindos de programas e projetos voltados para a disseminação dos valores do livro e da leitura, em conjunção indissociável com a educação. Felizmente parece que essa consciência está brotando, a partir da constatação da distância entre os valores financeiros distribuídos para outras atividades artísticas, em relação à literatura. O novo governo federal criou uma secretaria específica para cuidar do livro e da leitura, avanço institucional que já começa a dar passos na direção certa. Mas é preciso transformar a intenção em gesto, a ideia em ato, ampliando o alcance das políticas de expansão da leitura - e da escrita - em todo o território nacional.

É aí que entram os eventos literários. De variados portes, porém com o mesmo propósito: dinamizar os elos produtivos do livro, colaborando para tornar realidade o potencial de leitura de um dos maiores países do planeta. E com isso, dar um salto na configuração do sistema educacional e no desenvolvimento pleno que só se conquista com a evolução da cidadania. Gestores da cultura e da educação em todos os níveis de governo devem trabalhar juntos, planejando e executando projetos de integração, para levar a literatura cada vez mais às escolas, alargando o horizonte de conhecimento e criticidade dos estudantes, professores e da comunidade escolar. E para levar as escolas, cada vez mais, aos eventos literários, onde se concentram pessoas responsáveis pela criação e distribuição do conteúdo literário, em ambientes de imersão e intensificação catalizadores de experiências marcantes para os leitores - em especial os leitores em formação.

A expectativa é que os próximos meses venham com boas notícias para a rede produtiva do livro. Mesmo que ainda não seja possível prever o equilíbrio do fomento para a literatura com aquele destinado à música ou ao cinema, por exemplo, é esperada uma nova postura de estímulo, aproveitando a tradição de eventos reconhecidos pela população. Outros eventos literários devem surgir e se consolidar, em todas as regiões, gerando oportunidades de trabalho para quem faz e acesso para quem deseja ler mais. Para tanto, não apenas os governos podem ampliar o estímulo, apoiando diretamente a produção de eventos, mas também a sociedade, através da iniciativa privada. Diversas empresas locais e de abrangência nacional poderiam participar, viabilizando iniciativas que não se cumprem integralmente, todos os anos, por falta de recursos.

A história da Bienal do Livro de Pernambuco ilustra o esforço de tantos empreendimentos literários, sobretudo no Nordeste, onde a desigualdade social e econômica vem também de dificuldades na educação. Chegamos neste ano de 2023 à 14ª edição de um dos mais respeitados e visitados eventos literários do país. No entanto, a cada edição, o desafio é o mesmo: colocar de pé o sonho de espalhar a cultura do livro e o amor pela literatura. São quase 30 anos de evento, com um público diversificado que vem de outros estados da região, incrementando o roteiro turístico-literário. Apesar dessa tradição, o esforço é imenso, para trazer autoras e autores, mediadores, oferecer passagem e hospedagem, e até para pagar cachês dignos. Muitos percorrem centenas ou milhares de quilômetros em condições aquém do ideal e do justo. E quem é da terra, não raro, igualmente se lança de maneira colaborativa no evento, sem o retorno adequado e condizente ao trabalho intelectual e artístico que realiza.

No momento em que o clima do país favorece uma discussão oportuna e indispensável sobre o investimento na cultura e na educação, vale a pena recordar a ligação que pode ser feita pela ponte da literatura. Os empreendedores literários estão à disposição para fazer mais e melhor por um pais de leitores, articulando ideias e experiências para que o desenvolvimento almejado pela população não continue sendo retardado. A persistência no sonho que vem dos livros nos conecta. E nos anima a acreditar num espaço maior para a literatura nos orçamentos públicos e na agenda ESG que move a gestão e a economia atual - afinal, é por meio da educação que podemos nos aproximar de um país melhor para a maioria. E a educação, onde está, senão nos livros?

Rogério Robalinho,  coordenador da Bienal Internacional do Livro de Pernambuco.

 

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