OPINIÃO

Conversas de 1/2 minuto (31) Médicos

Mais conversas, hoje só com médicos, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

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José Paulo Cavalcanti Filho

Publicado em 29/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 30/09/2023 às 15:47
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Dona JOANINHA, doméstica. Quinta-feira. Maria Lectícia informou que acabou bem uma operação de minha mãe. No ombro, sem riscos. Disse que estava no quarto 405 do Hospital Santa Joana e completou lembrando que já recebia visitas. Tradução, era para ir. Logo. Manda quem pode (ela), obedece quem tem juízo (eu). Ou pensa que tem, o que dá no mesmo. Não sei como, entendi Hospital Português. Errado, claro. Parei longe, calor danado, enfrentei fila no elevador, até que cheguei no quarto andar. Quando abri a porta do 405 lá estava mulher, com certeza cliente do SUS, que me olhou assustada. Ao perceber o endereço errado, e para não perder a viagem, disse

 - Mamãe!!!

 - Eu não sou sua mãe, não.

 - Mãe desnaturada, que não reconhece o filho.

 - Tenha calma, senhor. Vamos conversar. O que lhe faz acreditar que sou sua mãe?

 - É simples. Minha mulher disse que mamãe estava no quarto 405. É esse. Logo, a senhora é minha mãe.

 - Está errado. Pode acreditar que não sou sua mãe.

 Ficamos conversando por bom tempo. Disse que podia lhe chamar de Joaninha. Contou sua vida simples, sem eventos notáveis, igual à de tantas. No fim, desejei melhoras e fui saindo. Quase na porta, ela gritou

 - Meu filho!!!

 Achei graça e respondi

 - O que é?, mamãe.

 - Volte amanhã para conversar que vivo aqui tão sozinha.

 Dia seguinte, sexta-feira, mandei uma cesta com frutas. E, segunda, retornei ao hospital. Para conversar, como pediu. Abri a porta, o quarto estava já vazio. Não tive coragem de perguntar o que havia acontecido com ela e fui embora, rezando que estivesse em casa. Beijos, dona Joaninha.

JOEL DATZ, um dos "irmãos eventos" - conhecidos, no Recife, por irem a todas as recepções, de batizados a conferências. Vinha caminhando pela Manuel Borba quando sentiu dores típicas de um enfarte. Como estava bem perto de unidade do SAMU, em frente ao antigo Cine Boa Vista, foi andando até lá

 - Estou tendo um enfarte e preciso que me levem, de ambulância, para o Procape (onde acabaria morrendo, só que muitos anos depois).

 - Impossível, senhor. Que, segundo nossos regulamentos, só podemos atender casos por telefone. E fica tudo gravado.

 - Mas vou morrer aqui, na sua frente?

 - Infelizmente, vai.

Foi quando viu, do outro lado da rua, um orelhão. E seus bolsos viviam cheios de fichas (num tempo em que ainda não havia celulares). Foi até lá e ligou.

 - É do SAMU?

 - Sim.

 - Estou tendo um enfarte. Podem me levar para o Procape?

 - Claro, senhor, onde está?

 - Bem na sua frente.

 LUZILÁ GONÇALVES, escritora. Madrugada, ligou amiga pedindo ajuda que o marido estava quase morto. Luzilá teve que ir a colégio de freiras que acolhiam padres. Encontrou um, já bem velhinho, e disse que precisava dele para dar a Unção dos Enfermos. Tudo acertado, inclusive o preço. Mas o velho quis tomar café, antes de partir. A freirinha que lhe atendeu, com toda paz do mundo, preparou tapioca e cuscuz que ele comia com prazer. Sem pressa. E o tempo ia passando.

 - Padre, queria lembrar que o homem está se acabando.

 - Tenha calma, filha, Deus é paciente.

 - Deus eu sei que é, padre. Só não estou certa é que o doente queira esperar tanto tempo.

 Afinal, chegaram no apartamento. O padre leu Breviário e belo Ofício aos Mortos. Diante de um paciente largado na cama, lívido, com os olhos fechados. E todos rezando. Ocorre que, de repente, o quase defunto deu um pulo

 - Que merda é essa?! A gente nem pode mais dormir em paz?!!, porra!!!

 Em resumo, o homem estava era de porre. Coma alcoólico. Foi só engano da quase viúva.

MARIA DE JESUS ALVES, cirurgiã. Começou a operar, no Hospital Getúlio Vargas, criança com a perna quebrada por conta de um atropelamento. A avó chegou apreensiva, na portaria, e pediu informações de como estava seu neto William. O médico Octávio (filho de Geninha e Baby) Rosa Borges respondeu

 - Está lá em cima (no quinto andar, onde ficava o bloco cirúrgico), nas mãos de (Maria de) Jesus.

 E a velha quase morreu do susto.

MIGUEL SOUZA TAVARES, escritor. Seu bisavô, Thomás de Mello Breyner, 4º Conde de Mafra, Catedrático de Medicina e médico pessoal do rei, era diretor do Hospital São José. E, lá, enfermeiras formalizaram uma reclamação

Os estudantes ficam passando a mão em nossas bundas. Exigimos providências.

Perdão, mas não vejo solução possível para o problema, enquanto os estudantes tiverem mão e vocês tiverem bunda.

OSCAR COUTINHO, clínico geral. Provocando, me disse

- Está pensando que Medicina é fácil como Direito?

- Pode até não ser, amigo. Mas tem uma vantagem, e grande. Erro de advogado fica no processo; enquanto, o do médico, a terra come.

José Paulo Cavalcanti Filho, advogado

 

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