OPINIÃO

O padrão "powerpointiano" de opinião

A manutenção da consciência limpa e afastada das platitudes oferecidas pelas redes é o antídoto mais eficaz contra a intolerância infestada nas arenas digitais e, ao mesmo tempo, um bálsamo para enfrentarmos sadiamente a opinião alheia que nos seja contrária.

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OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS

Publicado em 30/09/2023 às 0:00 | Atualizado em 30/09/2023 às 15:43
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Como se dá a formação da opinião no mundo contemporâneo? Embora não seja um tema recente, sua relevância é renovada pelas transformações nas relações sociais na adolescência do século 21.

Manuel Castells, sociólogo espanhol estudioso das relações humanas em um mundo conectado digitalmente, destaca que o planeta, dependente das redes, é uma realidade generalizada na vida cotidiana das organizações e dos indivíduos. Ele afirma que é necessário reexaminar tudo o que sabemos sobre a sociedade, pois estamos diante de um contexto completamente diferente.
Castells defende a educação como uma ferramenta essencial para adquirir bagagem intelectual e construir uma opinião qualificada. Contudo, ele destaca a importância de uma educação verdadeira, que forme pessoas com capacidade mental autônoma para processar informações e aplicá-las na análise de tarefas cotidianas.
Exemplificando esse processo, considerei recentemente a leitura de um artigo que propunha um plebiscito para validar ou refutar a decisão do governo brasileiro de explorar petróleo na foz do rio Amazonas.
A discussão desse tema, enviesada desde o início, estaria adequada para ser apreciada por uma sociedade brasileira despreparada quando submetida diariamente a complexos e divergentes conceitos ambientais?
Surge a questão crucial: onde a sociedade busca subsídios confiáveis para conhecer e opinar? Nos aplicativos como TikTok, Twitter, Facebook, Instagram, WhatsApp, ou ainda na tradicional mídia profissional?
Resistindo à tese de Castells sobre a supremacia das redes na comunicação moderna, avalio que apenas uma parte da elaboração contemporânea tem (ou deveria ter) origem nessas estruturas informacionais.
O bate-papo à mesa de jantar, o transporte coletivo, o cafezinho do intervalo de trabalho, a leitura de um bom livro ou até o pensamento que evolui do ócio criativo são outras formas de obter-se informações e construir opiniões.
A elaboração do pensamento livre do cidadão, influenciada pelas redes sociais e digitais é balizada por poucos e sedutores polos de conhecimento e difusão, muitas vezes induzidos ou pagos por interesses de terceiros.
A massa de mídia, representada por milhões de celulares disseminando informações não certificadas, que a princípio parecia sobrepujar a mídia de massa, órgãos solitários vistos, lidos e ouvidos por milhões, foi depauperada em seu poder de influir. Isso se deve, paradoxalmente, à sua essência libertária, que se revela como seu calcanhar de Aquiles.
As tecnologias de redes digitais, ao permitirem que indivíduos e organizações gerem seus próprios conteúdos e os distribuam no ciberespaço, impediram o controle das corporações e das burocracias sobre a informação.
No entanto, a profusão diária de dados, a incapacidade cultural de avaliá-los e a indolência para pensar de forma distinta do “politicamente correto” imposto nas bolhas sociais tornaram os indivíduos reféns de manipuladores psicológicos.
Esse cenário revela diferenças ínfimas entre os processos pretéritos e atuais, aproximando-se de uma reprodução real do ambiente dirigido pelo Grande Irmão, personagem autoritário de George Orwell em seu romance distópico "1984", que tudo controla.
O domínio da opinião pública nunca deixou de ser uma questão de poder pelo poder. Esse poder, que inebria, corrompe e destrói, torna-se afrodisíaco, como defendeu Kissinger, se não for aplicado serenamente por seus detentores.
O complexo desafio que se apresenta é construir e empregar as nossas opiniões individuais e coletivas para que sejam capazes de oferecer opções aos "consensos minoritários" rotineiramente impostos.
Confesso minha frustração ao perceber que as opiniões pessoais, de uma maneira geral, se tornaram reproduções, em um padrão powerpointiano - perdão pelo neologismo –, de outras opiniões já divulgadas.
Colocar holofotes sobre a complexidade da formação da opinião pessoal e da força dessa na consolidação da opinião de grupos estimulará outros pensadores a elaborarem projetos que fortaleçam a sociedade, em especial na área educacional.
A manutenção da consciência limpa e afastada das platitudes oferecidas pelas redes é o antídoto mais eficaz contra a intolerância infestada nas arenas digitais e, ao mesmo tempo, um bálsamo para enfrentarmos sadiamente a opinião alheia que nos seja contrária.

Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

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