Opinião

Suprema esperança

Chega ao comando do órgão cimeiro do nosso Poder Judiciário o Ministro Luís Roberto Barroso

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RONNIE DUARTE

Publicado em 01/10/2023 às 22:27
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Desde a última quinta-feira, e pelos próximos dois anos, o Supremo Tribunal Federal tem um novo presidente. Chega ao comando do órgão cimeiro do nosso Poder Judiciário o Ministro Luís Roberto Barroso. Magistrado há pouco mais de uma década, o presidente recém-empossado é filho de um promotor de justiça e de uma advogada. Provavelmente por influência da Dra. Judith, sua mãe, escolheu inicialmente a advocacia. Em 1981 abriu o seu escritório e, em 1985, foi o primeiro colocado em concurso público para o cargo de procurador do estado. Com passagens formativas por Yale (mestrado)e Harvard (pós-doutorado), é um docente reconhecido mundialmente, com vínculo de titularidade junto à Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

O ministro Barroso, progressista e ecumênico, é um hábil orador. Uma figura simpática, capaz de cativar desde interlocutores em conversas reservadas até grandes plateias congressuais. Um homem experimentado, de sólida formação humanística, sereno e resiliente, características pessoais que o trouxeram, no momento azado, à presidência do STF.

É inegável que o nosso Supremo passa por um momento de crise. Nos últimos anos, não raras vezes, sua atuação foi alvo de ruidosa crítica. Há desconfortos e desconfianças que fermentam em meio à sociedade, erodindo a imagem de um Tribunal cuja legitimidade de atuação também deve encontrar ressonância no Povo. Após o completo desgaste imposto pelos intermináveis escândalos envolvendo mandatários eleitos, é o Judiciário o fiador da República. Cabe-lhe velar cuidadosamente pela respectiva credibilidade, sabendo que ela depende, sobretudo, de sua aparência de neutralidade e de isenção, sobretudo nos planos ideológico e político. Apesar de eventuais discordâncias quanto ao conteúdo das decisões, o cidadão deve ter a fé de que o Supremo cumpre todo o seu papel, tal qual desenhado na Constituição, e ao mesmo tempo, ter a firme convicção de que esse Supremo cumpre apenas o seu papel constitucional, e nada mais. A omissão, o hiperativismo, e a hipertrofia serão sempre pecados capitais em um órgão judiciário.

E o ambiente, nos últimos anos, não tem rendido notícias favoráveis. Em um aligeirado retrospecto, lembremo-nos do grito que inicialmente veio da esquerda, numa altura em que réus padeciam sob Lava-Jato. Ali, sob a declaração de nobres propósitos e embalado pelo aplauso dos conservadores, o devido processo legal foi triturado em uma sanha punitivista que tinha o combate à corrupção epidêmica como pano de fundo. Os desvios, inicialmente tolerados pelas instâncias revisoras, só seriodiamente foram reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, tornando irremediavelmente inócua, pelo decurso do tempo, parte expressiva dos esforços públicos voltados à persecução das responsabilidades pelos crimes cometidos.

Tempos depois, vimos a encenação de um enredo parecido com papeis trocados. Agora, o pano de fundo era a defesa da democracia e o aplauso veio da ala progressista. Sob a ameaça da ruptura, um Supremo monoliticamente unido atribuiu a um dos seus a personificação dos esforços colegiados voltados à preservação da normalidade. Os suspeitos do levante subversivo foram o alvo de medidas enérgicas, algumas indiscutivelmente fora do balizamento constitucional. O alarido crítico de então veio da direita. Com os desdobramentos vistos em retrospecto, parte expressiva da opinião pública reconhece que a ação do STF foi indispensável à repressão da urdidura de um golpe, justificando o extremismo das iniciativas.
Dentro de tal contexto, passamos a ouvir um enorme contingente de pessoas, situadas em todos os espectros ideológicos, publicizando notas críticas e muita desconfiança em razão do protagonismo crescente do Judiciário, que por vezes deixa transparecer aspirações plenipotenciárias.

Hoje, o mesmo Brasil que rende um tributo de reconhecimento ao Supremo pelas ações que ensejaram a manutenção da normalidade democrática, passa a nutrir a esperança de que a Corte experimente a sua “kenose”, numa versão judiciária do fenômeno teológico onde Deus esvaziou-se, abdicando da condição meramente divina para se fazer homem, renunciando ao poder e à sabedoria ilimitados para se fazer um semelhante a nós, os mortais.

Em algumas passagens do seu discurso de posse, o Presidente Barroso referiu à autocontenção, à harmonia e ao diálogo com os Poderes e com a sociedade como diretrizes a serem seguidas. É o prenúncio de um grande legado que potencialmente resultará do próximo biênio, quando o Supremo Tribunal Federal desempenhar a maior de todas as suas missões contemporâneas: a efetiva pacificação social.

Ronnie Duarte, advogado e ex-presidente da OAB/PÉ

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