OPINIÃO

Educação especial e inclusiva: meta 4 do PNE

Cria-se o indicador sem ter condições adequadas de monitorá-lo. Por isso, costumamos muitas vezes dizer "essas coisas acontecem apenas no Brasil"

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MOZART NEVES RAMOS

Publicado em 03/10/2023 às 0:00 | Atualizado em 03/10/2023 às 11:58
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A meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) tem por objetivo universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.

Para o monitoramento da evolução dessa meta, foram definidos três indicadores:

• Indicador 4A: percentual da população de 4 a 17 anos com deficiência que frequenta a escola;

• Indicador 4B: percentual de matrículas em classes comuns da Educação Básica de alunos de 4 a 17 anos de idade com deficiência, TGD e altas habilidades ou superdotação;

• Indicador 4C: percentual de matrículas na Educação Básica de alunos de 4 a 17 anos de idade com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD), altas habilidades ou superdotação que recebem atendimento educacional especializado.

De acordo com o relatório do 4° Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE, produzido pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação (MEC), o monitoramento da meta 4 enfrenta duas limitações importantes. A primeira é a defasagem temporal dos dados do Censo Demográfico de 2010 utilizados para o monitoramento do Indicador 4A (o Censo Demográfico de 2020 foi realizado em 2022, ano da publicação desse relatório; consequentemente, as informações mais atualizadas para esse indicador não foram contempladas nesse relatório). A segunda limitação é de natureza metodológica - uma vez que o Censo Demográfico coleta informações sobre pessoas com deficiência intelectual e dificuldade ou incapacidade de enxergar, ouvir, caminhar e subir degraus, ao passo que o Censo da Educação Básica, utilizado para o monitoramento dos Indicadores 4B e 4C, identifica as pessoas com deficiência, TGD e altas habilidades ou superdotação, o que gera bases de dados diferenciadas.

Ainda segundo esse relatório, o atendimento educacional especializado para o público-alvo dessa meta, analisado pelo Indicador 4C, é entendido de três formas: (a) os alunos que recebem apoio por meio de AEE; ou (b) os alunos que recebem esse tipo de atendimento em instituições especializadas (classes especiais); ou (c) os alunos cujo atendimento é feito em escolas que ofertam exclusivamente a educação especial.

Essa mesma preocupação é também corroborada pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação "O monitoramento dos dispositivos da meta 4 enfrenta gravíssimos problemas relacionados à falta de informações. Com a restrição no detalhamento dos microdados publicados pelo INEP, ocorrida no início de 2022, mesmo o cálculo do percentual de alunos de 4 a 17 anos com necessidades especiais que frequentam classes comuns ficou prejudicado, sendo agora possível fazer apenas a análise de matrículas, e não mais por aluno, amplificando as lacunas informacionais sobre o tema. Ainda, o dispositivo relacionado à universalização do Atendimento Educacional Especializado é o mais prejudicado por falta de informações, uma vez que o Censo da Educação Básica, realizado pelo INEP, não coleta dados sobre a demanda deste tipo de atendimento".

O que se percebe é a falta de conexão entre o que está posto na Lei do PNE e as medidas que deveriam ser tomadas pelo governo para monitorar a evolução dessa meta - algo similar está acontecendo também na implementação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Cria-se o indicador sem ter condições adequadas de monitorá-lo. Por isso, costumamos muitas vezes dizer "essas coisas acontecem apenas no Brasil".

Mozart Neves Ramos , titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE.

 

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