Reforma Tributária: questões e controvérsias
A reforma é essencial para modernizar o país, inserindo-o entre aqueles que têm os sistemas tributários mais modernos, simples e eficientes do mundo...
A Reforma Tributária -que trará profundas transformações na natureza dos tributos e nas formas de coletá-lo e de reparti-lo entre os entes da federação -está em fase final de discussão no Senado Federal com base no texto da PEC egresso da Câmara dos Deputados. Há ainda questões controversas que estão sendo objeto de negociações e que interessam aos entes da federação, sobretudo aos estados e municípios. Como o Senado representa paritariamente os estados, espera-se que estes entes não sejam prejudicados na versão que será aprovada pela Câmara Alta e que retornará à Câmara dos Deputados para aprovação e posterior promulgação pelo Congresso Nacional. O atual sistema tributário é iníquo, oneroso, litigioso e complexo, causando grandes danos ao ambiente de negócios e ao crescimento econômico ao comprometer nossa competitividade.
A seguir apresenta-se as principais mudanças, algumas controversas, no sistema tributário que estão em discussão no Congresso Nacional.
Primeiro, a adoção do IVA, o mais frequente e mais bem aceito tipo de imposto sobre bens e serviços na maioria dos países do mundo. A proposta de reforma tributária inova ao introduzir o IVA dual, um, o imposto sobre bens e serviços (IBS) para substituir os atuais impostos de titularidade dos Estados e DF, e municípios (ICMS e ISS), e o outro para substituir os impostos federais (PIS, COFINS), a Contribuição sobre Bens e Serviços-CBS. A mudança na natureza dos impostos é significativa sendo os recursos arrecadados destinados a um Conselho Federativo. A titularidade agora é conjunta dos dois entes e critérios definirão a distribuição entre os estados e municípios. O Conselho Federativo, objeto de controvérsias que provavelmente será simplificado nas suas atribuições na versão do Senado, vai gerar algoritmos que repartirá as receitas automaticamente entre estados, o DF e os municípios com base em critérios a serem estabelecidos.
Segundo, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) será substituído por um imposto seletivo (IS). O imposto seletivo é usado por muitos países para reduzir externalidades negativas. No Brasil, a substituição do IPI por um imposto seletivo traz o problema de como manter o valor das transferências para estados (FPE) e municípios (FPM), vez que, junto com o imposto de renda, constitui a fonte dos recursos que alimentam essas transferências que são importantes para o equilíbrio federativo. Há, portanto, implicações do lado das despesas pois o FPE e o FPM constituem fontes importantes de recursos para a constituição de receitas dos estados e municípios. Em alguns estados e na maioria dos municípios brasileiros, constituem, de fato, a maior fração das suas receitas totais.
Terceiro, a adoção do princípio de destino, em uma longa transição, extingue a competição fiscal predatória e as políticas de incentivos fiscais baseadas na redução de impostos na origem.
Quarto, a proposta contempla a criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) que deveria ser repartido para beneficiar mais as regiões menos desenvolvidas e compensar a extinção dos benefícios fiscais, financiando investimentos em infraestrutura econômica e social, melhorando a qualidade dos recursos humanos e promovendo a inovação, já que não mais serão possíveis as políticas de incentivos fiscais para atrair novos empreendimentos para os estados. O FNDR é de grande interesse para os estados, sendo objeto de debate e de negociações no âmbito do Senado. Esta atração agora vai depender de atributos reais e não fiscais. Por outro lado, os entes federativos, especialmente os estados terão que fortalecer suas competências para planejar e elaborar projetos.
Quinto, a não cumulatividade reduz o ônus para o setor produtivo, beneficiando mais, como é da natureza do IVA, as cadeias produtivas mais longas, como na indústria. A legislação que regula os tributos terá que ser modificada à medida em que ocorra a incorporação do novo sistema em substituição ao atual. Esta nova legislação exigirá, no futuro, intensos debates e negociações no Congresso Nacional.
Sexto, a proposta prevê alíquotas reduzidas para alguns setores, isentará alguns itens da cesta básica, promoverá por meio do cashback a devolução de parte dos impostos pagos pelas pessoas mais pobres e criará um fundo de compensação para cobrir, no que puder, eventuais perdas arrecadatórias na transição Estes itens são compensatórios e buscam reduzir perdas e corrigir injustiças tributárias para os entes e para os mais pobres.
A reforma é a possível dentro do contexto cultural, econômico e político do país. Não existe a reforma ideal. Não vai atender a todos os interesses corporativos e dos entes federativos, mas é necessária para o Brasil. Alguns setores como o de serviços que foram subtributados nos últimos 50 anos, vão pagar mais. Outros, como a indústria que foram, ao contrário, historicamente sobretaxados vão pagar menos. A carga tributária medida, por uma alíquota agregada medida em pontos percentuais ou em relação ao PIB, não deverá aumentar. Este é o conceito de carga tributária neutra. Todavia, quanto mais exceções forem contempladas, quanto mais setores forem isentos ou tiverem a carga tributária reduzida, maior será a carga neutra. Aqui reside boa parte do debate no Congresso.
São naturais as inseguranças e desconfianças de alguns setores da sociedade. Todavia, a reforma é essencial para modernizar o país, inserindo-o entre aqueles que têm os sistemas tributários mais modernos, simples e eficientes do mundo. O atual precisa ser gradualmente extinto. O Brasil vai avançar com a Reforma Tributária. Será um longo e necessário processo de transição sujeito a ajustes no seu curso, mas é essencial para modernizar o país.
Jorge Jatobá, professor doutor titular aposentado da UFPE, ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco, sócio da CEPLAN.