OPINIÃO

Socialismo e Democracia

O socialismo permanece em estado de sonho. Vocábulo que, na mal intencionada retórica da extrema-direita - reacionária - é fantasma útil para sustentar regimes autoritários de todo tipo...

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TARCISIO PATRICIO DE ARAUJO

Publicado em 10/10/2023 às 0:00 | Atualizado em 10/10/2023 às 6:33
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Recebi,  de  um dos que compõem um punhado de abnegados leitores, um comentário crítico a 'Stalin, Putin e Prigozhin', de 29 08 2023: "fica-se com a impressão de que algo mais deveria ser dito". Topei a provocação, e aqui volto ao tema do sonho/pesadelo chamado 'socialismo'. [Limitado por aborrecimento e perda de tempo pra leitura: um vírus do gênero 'ransomware' criptografou meus documentos, cujo acesso veio a depender de 'resgate' via pagamento em Dólar, Euro... Inevitável zerar o notebook e reinstalar tudo. Denuncei a "empresa", vulgo 'arranjo criminoso positivokeyes.com.br'; mesmo calejado, caí na esparrela, via "compra" do Windows 11 e do Office 2021 - tão baratos que soavam a engodo. Sacrifico espaço, pelo caráter de utilidade pública deste relato].

Ao que disse no artigo anterior, acrescento mais algumas peças de livre-pensar. É bem sabido que socialismo foi sonho alimentado por Karl Marx, influenciador mundial, muito antes do chamado "influencer" de hoje, nas tais "redes sociais" do caótico ambiente da Internet. Tratava-se, de fato, de sonho e todos que se aventuraram sabem disso. Muitos continuam sonhando com essa utopia que veio a ser distopia.

Por uma via estritamente técnica e realista, vejo o mundo atual como pleno de fatos que atestam a falência da ideia socialista. Por outra via, o capitalismo sobrevive. Mas, depois do melhor que o sistema alcançou, reina piora no plano social, o que se associa a um padrão de consumo absolutamente anti-Natureza, além de gerador e alimentador de desigualdades. Os aparentes efeitos do desequilíbrio causado pelo aquecimento global nos dizem que um desastre de maior monta é bem provável, mantido o padrão vigente de produção e consumo. E o que sempre foi desigualdade, reduzida na era de ouro do capitalismo, hoje permanece reinando como vocábulo-chave no Planeta. Tudo somado, o que restou de maior alcance humano, em termos de sistema socioeconômico e democracia, foi a social-democracia europeia, algo que pode servir de aproximação do "socialismo" - sem eliminação da instituição propriedade privada.

A ideia socialista tem base em sociedades comunais. Eliminação da propriedade privada, colaboração, cooperação, igualdade de oportunidades. Os fatos disseram que tudo ficou longe disso. O que era a gloriosa vitória socialista de Outubro 1917 na União Soviética, a revolução na China (1949), e a de Cuba (1959), redundou em regimes despóticos. A propriedade privada não foi eliminada; liberdade é um desejado luxo de tolos, a maioria; e o capitalismo selvagem sobrevive dentro desses países "socialistas", e em outras paragens.

A despeito dos resultados soviético e chinês - sem eliminação da propriedade privada - o não-existente socialismo é urdido como ameaça política. Quase o velho conto do "comunista que come crianças cozinhadas no forno". Os pregadores de tal ideia sequer prestam atenção ao fato de que, a rigor, o capital subsiste nessas distopias e no mundo democrático e, na prática, menospreza a importância dos direitos humanos. Basta o lucro, a qualquer preço, na ausência ou no fracasso de instituições reguladoras. A pregada liberdade de vida e de negócios é para poucos. O pior dos mundos. No entanto, a História também mostra que o melhor que já se alcançou no capitalismo teve lastro em adequadas instituições reguladoras do mercado e em sistemas plenamente democráticos. Portanto, aqui e alhures, reformas institucionais constituem pressuposto básico, inarredável.

Enquanto sobram interrogações sobre o futuro, a Mãe Natureza alardeia que o Planeta não aguentará continuado aumento do aquecimento global, mas mudar um enraizado padrão de produção e consumo - exportado dos EUA para todo o mundo - é coisa de baixíssima probabilidade. Há avanços - em energias renováveis, inovação do hidrogênio verde, novos padrões na produção agropecuária - mas não há indícios razoavelmente animadores de que o Planeta venha a alcançar as metas projetadas de redução do gás carbônico na atmosfera. Seria algo a dar ânimo na luta contra o colapso ambiental, combate que certamente, e mesmo assim, não cessará.

Pois bem, neste preocupante cenário, no mundo da política vicejam retrocessos e movimentos políticos que exalam o cheiro de distopias. Apesar de autores consagrados apostarem na superação da dicotomia esquerda-direita, aflora uma extrema-direita que, arrotando liberdade, erige governos em que o contraditório pode levar a punições e até prisão, com ameaças à liberdade de imprensa. Conquistas básicas do humanismo ameaçadas de descer pelo ralo.

No mais, o socialismo permanece em estado de sonho. Vocábulo que, na mal intencionada retórica da extrema-direita - reacionária - é fantasma útil para sustentar regimes autoritários de todo tipo. Inclusive em parte do centro do mundo ocidental, sob o epíteto de "democracia iliberal" - categoria estranha, inadequada e de baixa utilidade.

ADENDO. Iço a bandeira de abatimento, tristeza, indignação, revolta, incompreensão. LUTO. Quanta irresponsabilidade do Hamas, quanta prepotência vingativa de Netanyahu. Judeus e  palestinos chacinados.

Tarcisio Patricio, doutor em Economia,  professor da UFPE aposentado

 

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