Pingo d'água
Foi uma lição de vida porque fiquei sabendo que todos nós dependemos de terceiros. E os leitores que amenizam minha soletude confirmam isso.
No início do ano de 1950, o diretor do colégio Santo Antônio, dos Maristas de Natal, irmão Estêvão, também conhecido como Jacaré, chamou meu pai e disse: "Ou o senhor transfere Arthur Eduardo para outro educandário ou ele vai ser expulso daqui." É que o piedoso irmão, sendo italiano, e nostálgico do regime de Mussolini, não estava gostando da "linha editorial", imaginem, que eu e meu colega de turma e querido amigo, saudoso Geraldo Melo, que iria ser Governador do Estado do Rio Grande do Norte, estávamos imprimindo ao jornalzinho de nome O Lozeiro, que havíamos fundado em 1948, para circular no colégio.
Surpreso, meu pai me transferiu para o famoso Ateneu de Natal, colégio maravilhoso, com professores nomeados por concurso público e com ótimos currículos. Entre eles, Antônio Pinto, professor de Português, e Esmeraldo Homem de Siqueira, mestre de Francês e tio paterno do jornalista e cronista Selênio Homem de Siqueira, que haveria de ser meu amigo e colega no Diário de Pernambuco muitos anos depois.
Brincalhão e sabendo-me gostar de literatura, Antônio Pinto foi logo dizendo no primeiro dia de aula: "Já que temos um jornalista na turma, o tema da dissertação de hoje é O pingo d'água - e me olhou com um risinho irônico e desafiador.
Na verdade, a turma não gostou: - "O que é que nós vamos escrever sobre o pingo d'água?", era a queixa de todos. Pra mim, o tema era maneiro porque meu pai, engenheiro civil e sanitário, era apenas o diretor do Serviço de Água e Saneamento do Estado. E estava sendo malhado pela imprensa por ter inventado a "perversa" novidade de instalar hidrômetros nas casas da cidade. Resumindo, filosofei, dizendo ao diretor do saneamento que não se podia viver sem um pingo d'água. Tirei uma nota sofrível mas não entreguei a folha da prova em branco, como a maioria de meus colegas.
Foi uma lição de vida porque fiquei sabendo que todos nós dependemos de terceiros. E os leitores que amenizam minha soletude confirmam isso.
Em 1951 eu fui estudar no Internato São José, dos Irmãos Maristas da Rua do Bonfim, na Tijuca, Rio de Janeiro. Já havia bullyng naquela época dos alunos filhos dos fazendeiros ricos do agronegócio contra os alunos nordestinos, com a conivência omissa dos irmãos. Certa noite, estávamos apreciando a lua no nosso campinho de futebol, quando uma luz amarela, em alta velocidade, cortou o céu. Desse dia em diante não houve mais bullyng. Pense o leitor o que quiser.
Arthur Carvalho, da Associação Brasileira de Imprensa - ABI