OPINIÃO

A importância do Nobel

O prêmio emocionou o mundo e foi considerado um dos mais importantes concedidos à medicina em todos os tempos. Só falta agora alguém dizer que a academia é infiltrada por comunistas

Imagem do autor
Cadastrado por

SÉRGIO GONDIM

Publicado em 13/10/2023 às 0:00 | Atualizado em 13/10/2023 às 6:24
Notícia
X

Por um desses fenômenos que ocorre no mundo de tempos em tempos, muitas pessoas foram recentemente abduzidas por opiniões sobre vários assuntos, até sobre medicina. Em um efeito de manada, muita gente passou a seguir os mesmos posicionamentos em temas como o tratamento de doenças, o uso de vacinas e tantos outros, com grupos divulgando nas redes sociais, algo parecido com uma lavagem cerebral.

Abandonando as fontes antes consultadas para conhecimento dos avanços científicos e fechando os olhos para estudos aprovados internacionalmente, passaram a incorporar como verdades os pitacos e opiniões de líderes religiosos, políticos, curiosos e dos chamados influenciadores digitais, com uma lógica primária e sem fundamento. Passaram a ignorar respeitadas fontes de conhecimento médico, deixaram de debater nos fóruns apropriados, preferindo disseminar conceitos genéricos simplórios, do tipo "é um reforço para a imunidade", com risíveis argumentos. Além de ignoradas, as fontes de conhecimento médico passaram a ser hostilizadas e canceladas, caso publicassem algo diferente das teses derivadas de crenças ou posições políticas.

Um dos mais impressionantes fenômenos ocorreu com as vacinas contra a COVID 19. Mesmo depois de publicados artigos evidenciando a eficácia e segurança no New England Journal of Medicine, Journal of American Medical Association, British Medical Journal e tantas outras tradicionalmente comprometidas com a ciência, com elevado nível de credibilidade, se algum médico aconselhava a população a se vacinar, era rotulado de imbecil e "esquerdopata". Na ocasião classificavam o imunizante como "vassassina", ignorando por completo os fatos e replicando teses conspiratórias mirabolantes.

Incrível!

Se as opiniões da manada apenas os transformassem em bobos, nada a comentar, mas como dimensionar o mal que fizeram? Quanta gente hesitou em se vacinar? Quantas mortes poderiam ter sido evitadas? Esse comportamento já ocorrera antes com a febre amarela e mais recentemente com a notícia de que a vacina contra Influenza teria, no Brasil, a finalidade de eliminar os aposentados para resolver o déficit da previdência! Na ocasião, muitos acreditaram e evitaram a vacina.

Agora, o prêmio Nobel concedido ao Doutor Weissman e Doutora Karikó, mais do que merecido pelos milhões de vidas salvas (além do potencial para uso em várias outras doenças infecciosas, autoimunes e câncer), antes de tudo demonstra como se faz ciência. As pesquisas com RNA mensageiro (mRNA) existem há meio século e em 2005 a revista Immunity publicou estudo dos dois premiados abordando técnicas que desaguaram agora nas vacinas contra a COVID 19 e mudaram o rumo da pandemia. Os simplórios alegavam que foi tudo feito às pressas. Ignoravam testes clínicos com vacinas baseadas em mRNA já no início dos anos 2000 e que já estava previsto seu uso para outros vírus em 2025. A pandemia de fato acelerou os processos e os direcionou para um vírus completamente novo, mas foram décadas de estudos de alta complexidade e profundidade, contrastando com recomendações intuitivas anedóticas de que um mineral "abre a porta do vírus permitindo a entrada do antiparasitário que o destruirá, reforçado pela vitamina da imunidade, todos se usados precocemente".

Era de fazer chorar.

O prêmio emocionou o mundo e foi considerado um dos mais importantes concedidos à medicina em todos os tempos. Só falta agora alguém dizer que a academia é infiltrada por comunistas e que existe uma conspiração dos organismos internacionais "esquerdopatas" para conceder o Nobel aos responsáveis pela "vassassina".

Perdoa-lhes porque não sabem o que fazem.

Sérgio Gondim, médico

 

Tags

Autor