O batimento do coração no campo de batalha
As declarações do major-general israelense Itai Veruv fazem coro com as atrocidades: "você vê os bebês, as mães, os pais, em seus quartos, em suas salas de proteção e como o terrorista os mata
Esta semana foi um festival macabro de insensibilidade. A sociedade ocidental não encontra amparo para compreender tamanha selvageria no comportamento do Hamas.Os relatos sobre a chacina cometida por esse grupo contra civis israelenses mostram como o ser humano perdeu o senso de razão, a capacidade de dialogar, a noção de limite do impensável.
Em recente artigo, Thomas Friedman questionou: “ainda que não me iluda de nenhuma maneira em relação ao compromisso estabelecido há muito pelo Hamas de destruir o Estado judaico, hoje eu pergunto a mim
mesmo: de onde vem esse impulso à la Estado Islâmicopelo assassínio em massa enquanto objetivo
primário?”.
As declarações do major-general israelense Itai Veruv fazem coro com as atrocidades: “você vê os bebês, as mães, os pais, em seus quartos, em suas salas de proteção e como o terrorista os mata. Não é uma guerra, não é um campo de batalha. É um massacre”.
A cobertura jornalística, ainda que filtrada de cenas monstruosas, permite-nos avaliar a magnitude da estupidez. Deixarei de lado os aspectos históricos que deram origem ao secular conflito. Aqui, o foco estará na ética e na liderança em situação de guerra e suas implicações sobre combatentes e não combatentes quando submetidos a intenso estresse emocional, e
desafio de sobrevivência.
Na última terça-feira (10.10.23), o Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) conduziu o painel
“Liderança e ética sob uma perspectiva estratégica: lições a partir de conflitos contemporâneos”. Organizado há algum tempo, não tinha, obviamente, foco no conflito israelo-palestino.
O objetivo era discutir ética e liderança nos conflitos modernos, caracterizados por uma realidade complexa, emprego exponencial de tecnologias, batalhas de narrativas e engajamento de múltiplos
atores.
É certo, as sociedades vivenciam mudanças aceleradas em todos os campos de poder, capazes de alterar
interpretações acerca das relações humanas, do fenômeno da própria guerra e das atividades inerentes
à profissão militar.
Os convidados, John Thomas, presidente da sociedade internacional de ética militar, e Ruben Stewart, do comitê internacional da Cruz Vermelha em Genebra, debateram desvios éticos segundo a convenção de Genebra e o impacto dos meios digitais na liderança militar sobre novas gerações.
Todavia, foi inevitável trazer a faixa de Gaza para a mesa de discussão. A lupa com a qual eles trataram o conflito está longe de nossa compreensão verde-amarela - uma sociedade não habituada a conviver diretamente com a guerra. Sendo Thomas britânico e Stewart neozelandês, portanto, acostumados a ver as forças armadas de seus países como suporte da sociedade em conflitos mundo afora, eles não fugiram do debate e deixaram claro suas repugnâncias ao ataque, bem como o imperativo de revidar agressões à soberania de países.
Diferentemente, por aqui, a discussão geral sobre o conflito abdica de compreender soberania e se desenrola no campo ideológico. Um debate longe do cheiro de pólvora, do rugir dos motores dos tanques, da visão dantesca de sangue em corpos martirizados.
O campo de batalha é virtual e os acidentes topográficos são declarações à imprensa e postagens em mídias sociais. As armas, o fel de comentários ofensivos disparados uns contra outros.
Os “corajosos” guerreiros não sentem a adrenalina acelerando batimentos cardíacos ao ouvir explosões de mísseis. Não sentem o violento deslocamento de ar pelo impacto das granadas caindo a poucos metros. Não sabem quão difícil é controlar emoções no campo de batalha diante da finitude da vida. Quão difícil é conter subordinados impactados pela perda de companheiros, para que eles não ajam ao sabor da vingança.
Os painelistas creem que lideranças, militares ou políticas, devem agir primacialmente com serenidade na busca da solução pacífica dos conflitos. Defenderam, todavia, manu militari quando estados, governos e povos sejam afrontados no direito natural de sobreviver como nação.
Os estudiosos aceitam que a sociedade concede às suas forças armadas procuração para defendê-la pela força contra antagonismos distintos. Logo, seria uma quebra de contrato não responder à altura os ataques despropositados à soberania do país. Foi isso que as forças de defesa do Estado de Israel fizeram diante do ataque do Hamas. Cumpriram o
contrato. As questões éticas caminham em paralelo com os israelenses na conquista do terreno e na destruição do inimigo. Sendo um país democrático, elas fazem parte do arcabouço legal imposto às tropas. Já o Hamas...
Todavia, a necessidade de dar-lhes palco, não pode ser cortina de fumaça, lançada por desavisados ou mal-intencionados, para debilitar o poder de combate empregado no cumprimento do contrato.
Desculpe! A sirene tocou. Noventa segundos para correr e sobreviver.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva