OPINIÃO

Conversas de 1/2 minuto (32) - Escritores

Mais conversas, hoje só com escritores, em livro que estou escrevendo (título da coluna)

Imagem do autor
Cadastrado por

José Paulo Cavalcanti Filho

Publicado em 27/10/2023 às 0:00 | Atualizado em 27/10/2023 às 6:33
Notícia
X

GILBERTO FREYRE, escritor. Assumiu a Cadeira 23 da Academia Pernambucana de Letras em 28/10/1986. Leu o Discurso de Posse, com mais de 100 páginas, sentado na mesa onde ficam as autoridades. E não em pé, no púlpito, como é usual. Na sequência, viria o Discurso de Recepção. A ser feito por seu mais íntimo amigo, o sonetista parnasiano Waldemar Lopes. Quando Lopes acabou de saudar as autoridades, e iria começar sua fala, Gilberto agarrou o microfone do presidente e disse

 - Acaba logo com isso, Waldemar, que minha bunda está doendo.

Apesar de brigar com Oswald de Andrade, sempre o elogiava, reconhecendo ter sido o único a permanecer fiel aos ideais da semana de 22. E ele próprio contou essa história, numa conferência. Quando morreu o cangaceiro Virgulino Ferreira (Lampião), Oswald reclamou

 - Puxa, e por que não aproveitaram para também matar Gilberto Freyre?

HERMILO BORBA FILHO, romancista. Quarta feira, 26/6/1976, ligou

 - Tudo bem?, Zé Paulo.

 - Tudo, Hermilo.

 - É o seguinte. O coração está ruim, vou morrer até a próxima quarta e preciso muito falar com você.

 - Pare com isso, amigo. Seja como for, na volta pra casa passo aí.

 O apartamento ficava na Rua dos Navegantes. Conversamos no terraço.

 - Como vou morrer logo, preciso que você redija meu testamento,

 Deu os comandos. Anotei. Passamos a falar sobre a morte, como se fosse algo natural. E, para ele, era mesmo. Perguntei

 - O que significa isso para quem, como você, não acredita em Deus? É o fim de tudo? Ou vai ficar, no exemplo e nas ideias?

 esse preciso instante, explodiu na rua um transformador da rede elétrica. O bairro inteiro ficou às escuras. E ele

 - Combateremos na sombra.

 Reproduzindo a sentença do general Leônidas, nas Termópilas. Fiquei em silêncio. Admitindo fosse apenas uma frase de efeito, por conta da falta de luz. Mas, como no verso de Drummond (O caso do vestido), "boca não disse palavra". E compreendi ser resposta à minha pergunta. Para bom entendedor, meio silêncio basta. Uma grande resposta. Coisa dele. Ficamos em silêncio muito tempo, ainda. Só nos olhando. E ele ria, dava para ver no branco dos dentes. Até que falei

 - É tudo?, Hermilo.

 - É tudo, Zé Paulo.

 - Adeus.

 - Adeus.

 Um adeus diferente dos de todo dia, esse era verdadeiramente definitivo. Então lhe dei um beijo na testa e fui para casa. Na mesma noite, redigi o testamento. Hélio Coutinho, tabelião, lavrou no livro dia seguinte. Ele assinou. Sexta, recebeu os traslados e deixou nas mãos de sua companheira, Leda Alves. Sábado, foi para o hospital. E morreu na quarta seguinte, como prometeu. Hermilo era homem de palavra.

JORGE LUIS BORGES, romancista. Numa entrevista (4/2/1987) para Roberto Dávila, declarou

 - Quase não li romances. Fora Joseph Conrad que, para mim, é O Romancista.

 - Nem mesmo Cem anos de solidão?

 - Completei só os primeiros 50. Mas é um excelente livro, eu acho.

Em maio de 1976, escolhido pelo Comitê da Academia Sueca na reunião preparatória em maio, acabou não sendo confirmado na de novembro (perdeu o Prêmio Nobel de Literatura para Saul Bellow). Porque, em 22/09 desse ano, visitou o ditador Augusto Pinochet. E, conservador, disse numa fala infeliz "Não sou digno da honra de ser recebido pelo senhor, Presidente... Na Argentina, Chile e Uruguai estão sendo salvas a liberdade e a ordem. Isso acontece num continente anarquizado e solapado pelo comunismo". A partir daí, nunca mais seria lembrado. E o comportamento de Gabriel García Márquez (o tal dos Cem anos..., está no seu livro Crônicas), é exemplar

 - Nada nos agradaria tanto a nós, que somos ao mesmo tempo seus leitores insaciáveis e seus adversários políticos, sabê-lo por fim libertado de sua ansiedade anual.

 Borges morreria, 10 anos depois, angustiado e cego. Em metáfora, é como se tivesse desistido de ver o mundo por seus olhos tristes.

Continua na próxima página

 

Tags

Autor