Guerra religiosa
As interpretações são livres; os fatos são sagrados. Aprendi isto com um editorialista do The Guardian, cujo nome, infelizmente, esqueci. Dentro deste espírito apresento dois erros factuais que por serem erroneamente repisados enviesam a análise do conflito
As interpretações são livres; os fatos são sagrados. Aprendi isto com um editorialista do The Guardian, cujo nome, infelizmente, esqueci. Dentro deste espírito apresento dois erros factuais que por serem erroneamente repisados enviesam a análise do conflito.
Primeiro. Em 1947, a ONU resolveu fazer uma segunda partilha com o que restou da Palestina original. Ela foi dividida entre um estado judeu e outro árabe. Não foi criado um estado palestino. A questão palestina não tinha a proeminência de hoje. O Hamas, também, não almeja criar um estado palestino independente, e sim um estado islâmico livre de infiéis, ou seja, de judeus e cristãos. Também não há lugar para palestinos cristãos no projeto de poder do Hamas. Uma cópia da Carta do Hamas, em português, pode ser encontrada em meu livro "Armadilha em Gaza—fundamentalismo islâmico e guerra de propaganda contra Israel" (Geração Editorial, São Paulo, 2010). O único lugar onde cresce a população cristã no Oriente Médio é em Israel. Em 2007, o Hamas ganhou as eleições e, em seguida expulsou à bala da Faixa os membros da Fatah que não são fundamentalistas. Este conflito é denominado, entre os palestinos, de Wakseh que significa ruína oriunda da autoflagelação. Em represália, Abbas retirou representantes do Hamas do governo da Autoridade Nacional Palestina, na Cisjordânia
Israel foi criado pela ONU com ampla maioria. A Liga Árabe não aceito a resolução e declarou guerra de extermínio ao nascente estado. Na Guerra de Independência de 1947, Israel, milagrosamente, sobreviveu. E o ex-futuro estado árabe foi retalhado por Israel, Egito (que ficou com a Faixa de Gaza e a administrou militarmente inclusive com toque de recolher até 1967) e a Jordânia abocanhou a Cisjordânia (Judéia e Samaria segundo a o Antigo Testamento) e anexou ilegalmente a cidade de Jerusalém. Pela Partilha, Jerusalém deveria ser uma cidade internacionalizada. Os jordanianos, contudo, expulsaram todos os judeus de Jerusalém, em uma verdadeira limpeza étnica, e destruíram sinagogas. Os judeus só puderam rezar no Muro das Lamentações após 1967 quando Israel ganhou a Guerra dos Seis Dias. Nasser, presidente do Egito, prometeu jogar os judeus ao mar. A Síria o apoiou. Israel pediu que a Jordânia não atacasse. O rei Hussein achando que Nasser venceria, juntou-se às tropas árabes. Perdeu a Cisjordânia e Jerusalém. Israel ofereceu devolver à Jordania, a Cisjordânia ("a opção jordaniana"). Cerca de 70% da população jordaniana é palestina e o rei não queria problemas com uma população como aspirações nacionais. O Rei rejeitou a proposta israelense. Por que um país palestino não foi lá criado? Sem esquecer que Yasser Arafat tentou derrubar o Rei e as tropas palestinas foram massacradas no que ficou conhecido como "Setembro Negro". Como a Cisjordânia esteve sob domínio jordaniano entre 1949 e 1969 por que nada foi feito pela criação de um estado palestino independente? A verdade é que não interessa à Liga Árabe resolver a questão palestina. Lembrando que em 2005, Israel se retirou unilateralmente de Gaza. Deixou construções, estufas agrícolas e sinagogas. Tudo foi destruído e o Hamas avançou suas baterias de foguete sobre solo israelense.
Segundo. O Hamas acredita que a polícia israelense profanou a mesquita de Al Aqsa. Os muçulmanos podem rezar à vontade, mas não pode fazer baderna. Não é a primeira vez que jovens "fiéis" adentram o lugar com paus, pedras e fogos de artifícios. Obviamente, que o objetivo deles não era rezar, mas criar um fato político. Os jovens começaram a apedrejar os transeuntes e feriram a pauladas os que queriam realmente rezar. Os fogos de artifício foram jogados contra judeus que rezavam no Muro das Lamentações. Não restou outra saída à polícia senão a de adentrar a mesquita e restabelecer a ordem. A isto o Hamas chama de dessacralização da mesquita. Ação política adredemente planejada.
Jorge Zaverucha, doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago e Professor Titular da UFPE