OPINIÃO

A infância, fonte de lembranças

Iniciei folheando as páginas e, pouco a pouco, a leitura foi acontecendo. Não houve um primeiro livro a ser lido, sim, primeiras páginas

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FÁTIMA QUINTAS

Publicado em 01/11/2023 às 0:00 | Atualizado em 01/11/2023 às 7:27
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Escrever é difícil. Cada palavra tem a sua forma de expressão e nem sempre o ritmo de explanar acontece com a modelagem que se deseja. Ora de um jeito, ora de outro, e o texto necessita ganhar o perfil adequado. Estou sempre em dúvida diante de alguma explanação supostamente construída. Importa atuar com cautela e pensar muitas vezes na proposta a atingir. Não adianta hesitar face ao que se quer transmitir, mas adotar o máximo de precaução diante do que se deseja expor. Não somente o teor exige minúcia, mas, sobretudo, forma. Urge produzir uma cadência comunicativa para, então, adotar o mínimo de performance na sequência do que se pretende comunicar.

O argumento reclama cuidado no êxtase explicativo. Quantas vezes ao reler um parágrafo desisto de continuá-lo! Afinal, a palavra sugere significado e beleza na sequência produtiva. Sem dúvida, momentos difíceis se acumulam e necessitamos adequar o conjunto com sabedoriaa. Portanto, a sequência da frase exige um ritmo especial que venha a enobrecer a possível escrita. Torna-se comum desistir de executar a terminologia antes mesmo de escrevê-la. As palavras possuem significados próprios. Vale enunciá-los com delicadeza absoluta. Devagar e com atenção, os enigmas acontecem por entre variadas ilustrações. Urge produzir o máximo de eugenia na linguagem escolhida. Nada é fácil na vida. Muito menos escrever.

Fui criada entre livros. O pai possuía uma biblioteca de aproximadamente 40/50 mil exemplares. O primeiro andar da casa era todo dedicado à sua paixão pela escrita. Havia tanta ansiedade na busca pelo saber que nada o satisfazia, um leitor apaixonado por novos livros. Jamais negou a vocação, antes pelo contrário, assumia com orgulho a constante iniciativa. Gostava de ler deitado e a mãe o recriminava pela errônea posição.

A imensa biblioteca me deixava confusa; de um lado para o outro, apreciava percorrê-la, mas sem tocar nos livros para evitar indevidos deslocamentos. Sempre fui audaciosa e, logo cedo, comecei a ler com ousadia e, ao mesmo tempo, com cautela. Aos 9/10 anos já mexia nas páginas, rabiscando-as. O pai nunca reclamou, como se desejasse que o meu conhecimento com a letra ganhasse espaço nas leituras futuras. E tudo se anunciava em uma época que jamais imaginei vinvenciar.

Os quereres começaram a ganhar espaço. Iniciei folheando as páginas e, pouco a pouco, a leitura foi acontecendo. Não houve um primeiro livro a ser lido, sim, primeiras páginas. Uma lenta cadência na menina que nada sabia. O cuidado do pai me espantava. Aos poucos, comecei a entendê-lo: havia uma enorme alegria na possibilidade de saber-me, algum dia, leitora. Pouco a pouco, o pai dialogava comigo sobre textos diversos. E, assim, comecei a amar a enorme biblioteca. Hoje a saudade cresce quando tento recordá-la. Mas vale a pena comunicar aos amigos um pouco da minha vida. Assim começou a vontade de ler. As imagens do pai e da mãe permanecem intactas. E, diga-se: ambos, leitores apaixonados...

Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras-fquintas84@terra.com.br

 

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