OPINIÃO

A queda da violência

A política de segurança pública requer planejamento estratégico e accountability que, somadas, são a responsividade dos gestores públicos em relação ao controle da violência e do crime. Bons governos minimizam a violência e maus governos contribuem para o seu crescimento.

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JOSÉ MARIA NÓBREGA

Publicado em 05/11/2023 às 0:22
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A violência é um dos grandes problemas sociais da América Latina. A violência medida pelas taxas de homicídios é a forma internacional de mensuração dos conflitos sociais. A América Latina concentra, em média, 40% dos homicídios do mundo. A taxa de homicídios das Américas é quase três vezes superior à taxa média mundial.

Em 2020, foram registrados 127.214 homicídios na América Latina e Caribe. No Brasil, foram registrados mais de 47 mil homicídios naquele ano. Colômbia e Brasil são os países com maiores números absolutos de homicídios da América do Sul. Ineficácia das instituições de segurança pública e jurídica, graves lacunas no sistema carcerário, crime organizado, somados à forte vulnerabilidade social, estão na raiz das causas da violência na região.

Apesar disso, o Brasil apresentou queda em seus números de violência homicida na série histórica 2017/2021. A variação percentual nesse período foi de -27,8%. Esses indicadores correspondem aos números de Mortes Violentas Intencionais (MVI) - que são a soma de homicídios dolosos, latrocínios, agressões seguidas de morte, morte de policiais e mortes resultado de violência policial. No período anterior à queda, entre 2011 e 2017, houve variação positiva de 25,7%, com a violência explodindo em várias regiões do país, com destaque aos principais municípios do Nordeste.

Essa queda representou uma variação nas taxas por cem mil habitantes, que é a técnica mais correta de mensuração, na qual se tem o cálculo proporcional à população. Essas taxas no país caíram de 31/100 mil em 2017, para 22,3 em 2021. Mesmo assim, o país ainda apresenta taxa quase quatro vezes superior à média mundial, que é de 6/100 mil habitantes. Mas, quais fatores estão associados a esta importante queda? Esta é a nossa tarefa neste artigo.

A queda da violência, medida pelas taxas de MVI por cada grupo de cem mil habitantes no Brasil, entre os anos 2017/2021, do ponto de vista da política de segurança pública, ou seja, das ações efetivas das instituições ligadas ao aparato coercitivo estatal, pode ser explicada por algumas ações, com destaque as(os): prisões efetuadas pelos órgãos de segurança pública estaduais; apreensões de armas de fogo ilegais pelas polícias; registros de novas armas de fogo sob controle estatal; despesas/gastos/investimentos na área da segurança pública; e combate ao narcotráfico.

A variável dependente da análise são as taxas de MVI, as demais variáveis associadas são chamadas de variáveis independentes (que são as ações dos governos na política de segurança pública) e as testamos em modelos de correlação estatística para acompanhar o nível de associação com a queda da violência na série histórica 2017/2021.

Como dito, a violência apresentou queda de -27,8% entre 2017 e 2021 em suas taxas de MVI. Esta queda foi acompanhada das seguintes medidas nas variáveis independentes: 1. aumento da taxa de prisões em 10%, saltando de 349,8/100 mil, em 2017, para 384,7/100 mil em 2021; 2. recuo de -9% nas apreensões de armas de fogo ilegais que foram reduzidas de 56,8/100 mil em 2017, para 51,7/100 mil, em 2021; 3. aumento expressivo de novas armas registradas no Sistema Nacional de Armas (SINARM/PF), com a taxa saltando de 307 em 2017, para 699 em 2021, o que teve impacto de 127,6% de variação positiva nesta variável; 5. aumento dos gastos públicos em segurança na ordem de 17,2% na série histórica; e 6. recuo nas taxas de tráfico de drogas na ordem de -6,6%.

Esses indicadores foram cruzados nos seus conjuntos de dados na série histórica 2017/2021, o que nos permitiu analisar os níveis de associação das variáveis independentes em relação à queda da criminalidade (variável dependente taxas de MVI). Os testes de correlação nos permitiu chegar às seguintes conclusões: 1. com correlação forte e sinal negativo, as prisões foram importantes para essa queda, com coeficiente de correlação de -0,69 na série histórica 17/21; 2. com correlação forte, mas com sinal não esperado, as apreensões de armas de fogo apresentaram relação inversa à queda da violência, com coeficiente de 0,92, o indicador não respondeu como esperado, já que tirou menos armas ilegais de circulação, com queda das MVI; 3. a variável 'mais armas registradas' apresentou efeito associativo inverso na queda da criminalidade. Ou seja, 'mais armas registradas' não esteve associada a mais crimes, pelo contrário, houve queda das MVI com aumento de novos registros de armas, o que contraria parte da teoria do crime defendida pelos desarmamentistas. O coeficiente de correlação da variável dependente (MVI) com esta variável independente foi de -0,84, com forte associação entre o crescimento de novas armas de fogo e queda da violência; 4. o aumento do investimento em segurança pública medido pelos gastos per capita em segurança demonstrou correlação importante com a queda das MVI, com coeficiente de correlação na ordem de -0,78, o que demonstra o nível de associação entre mais investimento do estado/governo com a queda da violência; 5. por fim, a falta de correlação entre a variável independente tráfico de drogas com o recuo da violência. Houve queda da política regional nessa seara, já que os dados foram retirados das secretarias estaduais e não da política federal de apreensão de drogas e combate ao tráfico. O coeficiente foi de 0,23, correlação positiva, mas sem nível importante de associação entre as variáveis.

Podemos concluir que a política de segurança pública foi bem-sucedida para a queda da violência entre 2017 e 2021. Destacando que essas variáveis não respondem por todo o fenômeno, mas pelas principais tomadas de decisão dos gestores públicos estaduais. A política federal de combate ao tráfico de drogas no período foi bastante acentuada e respondeu bem a esta queda, mas não entrou em nossos testes que contaram com dados das secretarias estaduais.

A política de segurança pública requer planejamento estratégico e accountability que, somadas, são a responsividade dos gestores públicos em relação ao controle da violência e do crime. Bons governos minimizam a violência e maus governos contribuem para o seu crescimento.

José Maria Nóbrega,  cientista político, doutor em ciência política pela UFPE e professor associado da UFCG

 

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