OPINIÃO

Política criminal equivocada

Aumentar penas e criar novas figuras criminais, um anseio de quem não entende de política criminal e penitenciária, merecia, pelo menos, um adendo na lei que forçasse o efetivo cumprimento da Constituição e da Lei de Execução Penal

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Adeildo Nunes

Publicado em 09/11/2023 às 0:00 | Atualizado em 09/11/2023 às 11:27
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O fenômeno da despenalização e da descriminalização de condutas ilícitas é uma política criminal e penitenciária que de há vem sendo adotada, com êxito, pelos países desenvolvidos, mormente nos Estados Unidos da América e na Comunidade Europeia, decisão política que vem dando bons resultados, ensejando na redução da criminalidade, com a consequente diminuição da sua população carcerária. Ao invés de criar novos ilícitos penais ou aumentar penas, como acontece com frequência no Brasil, a transformação legislativa de penas previstas na lei em multas administrativas, sem dúvidas, tem sido uma constância em alguns Estados Norte-Americanos, principalmente quando a mudança tem por fim evitar o encarceramento do criminoso.

Descriminalizar e despenalizar atos descritos como crime, com efeito, têm sido uma posição cotidiana por parte dos Parlamentos Federais e Estaduais naqueles países, que comumente guiam suas decisões em estatísticas fidedignas, mas, acima de tudo, formam suas convicções com base em pareceres elaborados pelos grandes penalistas do mundo, pesquisadores que comumente estão atualizados e inteirados com a realidade criminal e social de cada País.

Despenalizar é alterar o tipo de pena prevista na lei, passando a aplicar uma sanção penal menos rigorosa. É comum, bem por isso, ver o legislador Norte-Americano ou Europeu transformar uma pena privativa de liberdade em restritivas de direito, máxime em relação aos crimes de média potencialidade. Substituir a pena restritiva de direitos por multa, é outra alternativa presente nas decisões daqueles Parlamentos. Essas decisões, outrossim, reduzem sensivelmente o custo financeiro com a manutenção, reforma e construção de novos presídios, sem contar que as despesas que deveriam ser realizadas com a custódia das pessoas são revertidas em favor da educação, da saúde e de outros empreendimentos sociais.

Descriminalizar, por outro lado, é retirar do ordenamento jurídico penal uma conduta tida como delituosa, revogando-se a lei que previa a figura criminal, portanto, tornando determinado fato que era típico, para atípico, ou seja, descriminalizando a conduta que antes era criminosa. A descriminalização do uso e do consumo de drogas, por exemplo, é uma realidade mundial, que ainda não chegou ao Brasil, porque aqui muitos acham que a prisão resolve tudo, quando o vício é um problema de saúde pública e não de prisão ou de pena.

Nos Estados Unidos, como se sabe, cada um dos seus 51 Estados tem autorização constitucional para legislar sobre Direito Criminal, diferentemente do Brasil, onde uma mesma Lei Penal tem eficácia e validade em todos os recantos do País. Aqui, a tipificação delituosa e a pena, por exemplo, são iguais para todos. O que for crime no Maranhão, será crime, também, no Ceará. Nos Estados Unidos, entretanto, cada Estado pode legislar sobre Direito Penal. Assim, é possível que uma conduta seja tipificada como crime na California, mas, na Carolina do Norte o mesmo fato seja atípico, é dizer, não é tido como ilícito penal. É por isso que alguns dos Estados Norte-Americanos ainda preveem a pena de morte em sua legislação, enquanto outros, de há muito já aboliram este tipo de pena cruel.

Na Europa, embora cada país seja absolutamente independente para legislar sobre Direito Penal, o que se sabe é que os países que adotam as penas cruéis não ingressam na União Europeia, hoje formado por 27 países.

A Turquia, por exemplo, por mais que venha tentando fazer parte da União, jamais conseguirá o seu intento enquanto a pena de morte subsistir em seu ordenamento jurídico.

Contrariando, mais uma vez, a política criminal e penitenciária que está sendo desenvolvida nos países civilizados, com enormes benefícios sociais e humanos, a Câmara dos Deputados, com base no projeto de lei nº 3.780/23, do deputado Kim Kataguiri, recentemente, acaba de aprovar várias alterações no Código Penal Brasileiro de 1940, ora aumentando consideravelmente as penas para os crimes de furto e de roubo, ora criando novas modalidades criminosas, entendendo, equivocadamente, que a criação de novos delitos e a majoração de penas reduzirão o crime, numa demonstração inequívoca que o Parlamento brasileiro ainda não percebeu que o que reduz a criminalidade é a certeza da punição.

Durante as discussões e a votação do projeto aprovado na Câmara, em momento algum foram ventilados os graves e antigos problemas que envolvem o sistema penitenciário brasileiro, hoje com 700 mil detentos, para apenas 370 mil vagas, comprovando, mais uma vez, que poucos estão preocupados com o dilema carcerário brasileiro. Aumentar penas e criar novas figuras criminais, um anseio de quem não entende de política criminal e penitenciária, merecia, pelo menos, um adendo na lei que forçasse o efetivo cumprimento da Constituição e da Lei de Execução Penal, sob pena de aplicação de punição na esfera administrativa, civil e penal aos agentes do Estado que provocassem o seu descumprimento, quando agissem de forma dolosa.

Adeildo Nunes, juiz de direito aposentado, professor, doutor e Mestre em direito, membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal - IBEP

 

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