Opinião

Leonardo: Pernambuco perde o seu historiador

Leonardo lutou e conseguiu êxito no restauro, por exemplo, da Ponte da Boa Vista, Casa de Detenção, Parque Amorim

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ROBERTO PEREIRA

Publicado em 12/11/2023 às 17:06
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Este mês de novembro tem aberto lacunas no mundo cultural de nosso Estado. Desta feita, dá adeus a Leonardo Antônio Dantas Silva, aquele que pode ser considerado o historiador dos nossos fatos e feitos no plano do nosso passado irredento e varonil, intérprete das antecipações político-libertárias de Pernambuco no contexto da Independência nacional.

Mais do que historiador, defensor árduo de nossas tradições e da autoria de tantas realizações que marcam o mosaico de nossa História e elevam os valores da bravura e do irredentismo pernambucanos, das artes e do engenho da nossa inteligência criadora.

Recifense, nascido em 10 de dezembro de 1945, iniciou-se no jornalismo em 1965, à condição de repórter especial deste Jornal, sendo responsável pela Página Carnavalesca, dedicando especial relevo às agremiações carnavalescas, bem como à história da nossa festa maior.

Importantes trabalhos a partir da sua pesquisa sobre o Carnaval

De suas pesquisas sobre o Carnaval e a cultura popular de nossa Região, originaram-se alguns importantes trabalhos, hoje encontrados em livrarias e bibliotecas, não só do Brasil, como do exterior: Carnaval do Recife (2000); Folclore (1975), Cancioneiro Pernambucano (1978); Ritmos e Danças: Frevo (1978), dentre outros.

Neste Jornal levantou bandeiras em defesa da preservação de alguns bens culturais, desde então ameaçados pelo furor dos desavisados, analfabetos na formação de uma educação patrimonial, também ao desabrigo de governantes de plantão, descompromissados, alguns, com os valores de nossa cultura, que é a argamassa de toda uma sociedade.

Leonardo lutou e conseguiu êxito no restauro, por exemplo, da Ponte da Boa Vista, Casa de Detenção, Parque Amorim, chorando, todavia, todas as lágrimas quando, na companhia de outros baluartes, saiu vencido, por ocasião da demolição da Igreja do Senhor Bom Jesus dos Martírios, em 1973.

Também, nas páginas deste Jornal, viu frutificar uma campanha iniciada em 14/04/1966 e concluída com a Lei Municipal de nº 9691, de 21/11/1966, que considerou a data de 12 de março de 1537 como marco de existência histórica da cidade do Recife, homologada pelo então prefeito Augusto Lucena, em atendimento à proposta de notáveis por ele nomeados.

Publicou o seu primeiro opúsculo no ano de 1972

Em 1972, publicou o seu primeiro opúsculo, Bandeira de Pernambuco, no ensejo das comemorações do sesquicentenário da Independência do Brasil, trabalho que deu início a uma série de 64 outras obras de sua autoria, volume que o consagra como pesquisador incansável nas buscas da verdade histórica.

Dirigiu o Departamento Estadual de Cultura, quando realizou um vasto programa ao gosto do grande público, criando as Retretas da Praça do Derby, o Projeto de Restauração das Bandas de Música, os Encontros Nacionais de Corais, os Concertos-aulas da Orquestra Sinfônica do Recife, as Escolas de Danças Pernambucanas (Frevo, Caboclinho e Maracatu), criação da Banda Sinfônica Juvenil Pernambucana, do Projeto Espiral de Formação de Instrumentistas de Cordas e, no campo editorial, a Coleção Pernambucana (1975-1979) com a publicação inicial de 33 títulos.

Convidado para criar um plano cultural na Cidade do Recife

Em 1979, foi convidado pelo prefeito Gustavo Krause para criar um plano cultural na Cidade do Recife, dando lugar à Fundação de Cultura Cidade do Recife e foi também responsável pela criação da Frevioca, volante do frevo surgida no Carnaval de 1980; e pelo surgimento do concurso Frevança, Teatro Apolo, Museu da Cidade do Recife, Retretas Semanais, Projeto Ciranda, Música para Todos, Ciclo de Música para Piano e uma publicação de 26 novos títulos, versando sobre a história social da Cidade do Recife.

A atividade de Leonardo tem continuidade na Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), na Diretoria de Assuntos Culturais, meu companheiro quando presidi aquela Fundação, sendo responsável pelos concertos nas igrejas do centro (Circuito de Música Barroca), juntamente com a segunda fase da Coleção Pernambucana e a criação do Clube do Livro Pernambucano (586 assinantes).

Entre 1983 e 1987, na Fundarpe, foram editadas 34 obras; dentre as quais os onze volumes que integram a coleção dos Anais Pernambucanos, de F.A. Pereira da Costa; devidamente anotados pelo historiador José Antônio Gonsalves de Mello, uma das suas maiores realizações no plano editorial.

Pesquisas relativas ao período holandês em Pernambuco

Membro efetivo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, onde se colimava à luz votiva daquela Instituição preservadora da nossa pernambucanidade, defendendo a história como um passado vivo. Ao lado do historiador José Antônio Gonsalves de Mello, participou de suas pesquisas sobre o Período Holandês.
Amigo de Capiba, de Claudionor Germano, dos maestros Ademir Araújo (Formiga), Guedes Peixoto e muitos outros talentos da nossa musicalidade. Dentre as suas definições de cultura, uma era do seu gosto pessoal: “Cultura é tudo aquilo que o povo anseia e se orgulha do seu passado.”

Dirigindo, a Editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco, foi responsável pela edição de 355 títulos, relacionados sobre os Estudos Sociais no Norte e Nordeste do Brasil, outro extraordinário arrojo seu no campo da editoração, num serviço dos mais relevantes à história de nossa Região.

Vida dedicada à preservação da cultura e tradições pernambucanas

Leonardo dedicou a sua vida à preservação da nossa cultura e das tradições pernambucanas e nordestinas, motivo pelo qual, em 2022, recebeu o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco.

Com a sua perda, Pernambuco, diante do mistério da morte, canta, em sua homenagem o frevo da saudade, dizendo, com Aldemar Paiva, “quem tem saudade não está sozinho, tem o carinho da recordação.” Estamos eternamente bem acompanhados com você no coração, Leonardo.

Roberto Pereira, professor e ex-secretário de Educação e Cultura.

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