OPINIÃO

Apenas homens ordinários...

O que levaria um homem ordinário, um simples professor a defender uma instituição pública de ensino e pesquisa – uma universidade- num momento de extraordinário ataque institucional?

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FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 14/11/2023 às 3:00
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“São apenas homens ordinários que, em situações extraordinárias, não se demitiram”. É assim que H, Arendt, minha heroína intelectual, definia aqueles “homens em tempos sombrios”.

O que levaria um homem ordinário, um simples professor a defender uma instituição pública de ensino e pesquisa – uma UNIVERSIDADE- num momento de extraordinário ataque institucional? Não sei exatamente, mas foi isso o que o Professor e Reitor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Marcelo Carneiro Leão, fez naqueles momentos decisivos em que nossa Universidade foi duramente atacada pelo bolsonarismo que, sabemos, não passa de uma mistura ideológica de obscurantismo intelectual, fanatismo político, limitação cognitiva e ressentimento social.

Claro que me vem à lembrança aquele exemplo verdadeiramente paradigmático, a resistência histórica do Reitor da Universidade de Salamanca, Miguel de Unamuno, diante do brado irracional do General Millan Astray: “- Viva a Morte!”. Ao que Unamuno responde: “- Aqui é o templo do saber e eu sou o seu Sumo Pontíficie. O General Millan Astray é um aleijado (de fato ele não tinha um braço e era cego de um olho!). Cervantes também era. Infelizmente há muitos aleijados na Espanha hoje em dia. E logo haverá mais ainda. Um aleijado sem a grandeza de Cervantes tende a buscar consolo calamitoso provocando mutilação à sua volta. O General Astray deseja ver a Espanha mutilada, uma criação negativa à sua imagem e semelhança”.

Sem estardalhaço, mas igualmente vítima de ataques institucionais, desejando a criação de uma Universidade mutilada e culturalmente servil, vindos daquele bolsonarismo, (ainda vivamente presente em nossa sociedade), o Professor Marcelo não hesitou, num momento extraordinário, em criar mecanismos democráticos de ampliação do escopo acadêmico em direção à sociedade (internacionalização da pós graduação, cursos para a “terceira idade”, alfabetização de pessoas em situação de rua, bolsas de permanência para os estudantes, ajudas de custo, pagamentos em dia e, sobretudo, a defesa pública daquela instituição federal, como tive a oportunidade de ver no Encontro Nacional dos Dirigentes Federais de Ensino Superior (ENDIFES), realizada aqui em Recife, e onde tive a oportunidade de fazer uma das palestras de abertura.

Por que, repito, defender uma instituição de cultura, de produção e difusão de saber? Porque acreditamos que há uma relação, direta ou indireta, entre conhecimento e liberdade, inclusive o conhecimento (a consciência) dos mecanismos e instrumentos que nos oprimem: os de natureza política, ideológica, simbólica, material... Nenhum saber, claro, por si só, nos libertará da escuridão, se tal “saber” não for acompanhado de uma consciência moral substantiva, capaz de avaliar os fins e valores do que sabemos e transformamos em Bem Comum. Há homens que defendem, mesmo que modestamente, a Pátria, a Revolução, a Memória, a Liberdade; há aqueles que defendem essa coisa abstrata e impalpável que é a nossa capacidade de produzir saber, ciência, esclarecimento: aquilo que nos ajuda a formar uma subjetividade partilhada, a nos relacionarmos com os outros, a nos ocuparmos de um mundo natural em vias de rápida destruição.

É isso que homens ordinários fazem em momentos extraordinários: não se demitem! Por isso - e para mim, basta isso!-, o Professor Marcelo e a Professora Avaní têm meu integral apoio em sua candidatura à reeleição ao cargo de Reitor e Vice-Reitor da Universidade Rural, reunindo as condições morais, acadêmicas e políticas para continuar dirigindo aquela instituição: desejo que neste segundo mandato eles possam ampliar aquele escopo democrático, com a participação ativa dos segmentos funcionais nos órgãos decisórios; que seja estimulada a qualidade social de nossas pesquisas, como resposta às demandas da sociedade; que se melhorem ainda mais as condições em que o saber é produzido ali e que se amplie a presença social organizada naquilo que fazemos no interior de uma instituição que abre janelas para a compreensão de nossa presença no Mundo.

Fica registrada, aqui, minha confiança e apoio aos professores Marcelo e Avaní, acompanhados de meus votos de uma boa segunda gestão.

Flávio Brayner é
Professor Emérito da UFPE e Visitante da UFRPE.

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