A doença fiscal do Brasil
A atitude desidiosa em relação ao gasto público finda sobrecarregando a política de juros e obrigando uma desesperada luta por novas receitas
Não se trata de fenômeno recente, mas o Brasil sempre lidou mal com a questão fiscal, importante causa, embora não única, para os paralisantes quadros inflacionários, que chegaram a flertar com a hiperinflação. O Plano Real foi e tem sido instrumento responsável por deter os surtos inflacionários. Seu sucesso, entretanto, segue permanentemente ameaçado pelo desequilíbrio fiscal.
Os instrumentos de gestão fiscal foram se submetendo a um processo de continuada degradação desde 1964, quando foi editada a Lei nº 4.320. A Constituição de 1988 tem especial responsabilidade nesse processo, ao instituir os orçamentos autônomos dos Poderes da República, proceder à abusiva elevação das vinculações de receita e da partilha de tributos com os entes subnacionais, admitir a revisão das receitas previstas na proposta orçamentária em virtude de “erros e omissões” e expandir displicentemente o império das “emendas parlamentares”, que conspiram contra o federalismo fiscal, estimulam o perdularismo e favorecem a corrupção sistêmica.
A promessa constitucional de uma lei geral de finanças públicas aguarda pacientemente, há 35 anos, sua edição. Essa melancólica orfandade de iniciativa é desfrutada prazerosamente pelos agentes políticos.
Há um crônico descompromisso com o disciplinamento do gasto público, evidenciado pela fragilidade dos instrumentos de gestão, inexistência de políticas reguladoras das atividades-meio, vinculação de receitas, postergação de despesas relevantes como restos a pagar e precatórios. Resta um despesismo indomável, em um Estado saqueado pela ação predatória do patrimonialismo, do corporativismo e dos agentes políticos.
A atitude desidiosa em relação ao gasto público finda sobrecarregando a política de juros e obrigando uma desesperada luta por novas receitas, a exemplo da desvirtuosa conversão do CARF em órgão arrecadatório, da inconsistente pretensão de tributar investimentos associados a incentivos fiscais estaduais e a - em princípio justa, embora de eficácia limitada - tributação dos fundos exclusivos e das aplicações offshore.
Por que fracassou a regra do teto de gastos e já se vislumbram fortes inquietações quanto à viabilidade do arcabouço fiscal? Simplesmente, porque metas e tetos de gastos não detêm poderes mágicos. São tão somente meios para aferição de políticas fiscais, que hoje inexistem. Contingenciamento de despesas pode ser eventualmente necessário, mas é um instrumento tosco. Enfim, sem disciplinar o gasto público não tem solução.