OPINIÃO

Por que o Brasil não cumpre a Lei de Execução Penal? (1)

Embora tenhamos avançado muito com a construção dos presídios femininos, é notório, por outro lado, que muitos não dispõem de berçários, que devem existir fora do ambiente prisional, onde as apenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 meses de idade.

Imagem do autor
Cadastrado por

Adeildo Nunes

Publicado em 16/11/2023 às 0:00 | Atualizado em 16/11/2023 às 14:19
Notícia
X

Em verdade, a primeira legislação, no Brasil, que tratou de execução penal foi o Código de Processo Penal de 1941, que estabeleceu em capítulo próprio, algumas regras sobre o processo de execução penal, hoje praticamente em desuso. Antes disso, em 1933, uma Comissão formada pelos juristas Cândido Mendes, Gabriel de Lemos Brito e Heitor Carrilho apresentou ao presidente Getúlio Vargas o primeiro anteprojeto de lei no sentido de aprovar um Código Penitenciário, uma vez que não existia, até então, nenhuma legislação disciplinando a matéria. Depois de 3 anos paralisado na Câmara dos Deputados, o anteprojeto foi arquivado, mercê do golpe de Estado que implantou o Estado Novo (1936).

Entre 1955 e 1964, um novo anteprojeto de lei tramitou no Congresso Nacional, que pretendia aprovar um Código de Execuções Penais, elaborado por Roberto Lyra e Oscar Stevenson. A proposta chegou a ser votada e aprovada no Parlamento, porém, na fase de redação final, antes da sua promulgação, foi novamente arquivada, agora em virtude do golpe militar de 1964.

Em 1957 o então presidente Juscelino Kubistchek sancionou a Lei nº 3.274, norma jurídica que pela primeira vez na história brasileira veio a consagrar o direito de o preso se filiar à previdência social. Ocorre, entretanto, que as suas disposições restaram praticamente no papel, já que para a filiação previdenciária havia a necessidade de o preso pagar uma mensalidade, daí porque, sem recursos financeiros, a lei não vingou. Aliás, aprovada a Lei nº 3.274 houve uma avalanche de críticas pelos meios de comunicação da época, com o mesmo entendimento: preso não é sujeito de direitos e, por isso, as críticas também contribuíram para o fracasso total da legislação aprovada.

Do ponto de vista histórico, como se nota, uma lei que regulasse a execução da pena, no Brasil, não era uma ideia sólida e necessária, até porque muitos juristas da época entendiam que a matéria não merecia a atenção da classe política, principalmente porque no corpo dos anteprojetos havia disposições que tratavam de direitos do preso, fato que não era bem visto, também, pela própria sociedade, que como infelizmente ainda acontece nos dias de hoje, muitos achavam que preso não poderia ser sujeito de direitos, mas somente de obrigações. Fica fácil observar, bem por isso, que o preso brasileiro - ao longo dos tempos - sempre foi abandonado e perseguido por parte da sociedade e dos políticos de Brasília.

Contudo, em plena ditadura militar (1970), o então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, nomeou uma Comissão de juristas formada por José Carlos Moreira Alves, Benjamim Moraes Filho, José Frederico Marques e Salgado Martins, que após 2 anos de pesquisas apresentaram um anteprojeto para um Código de Execuções Penais. Após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, finalmente deu-se a aprovação da Lei nº 7.210, de 11.07.1984, a atual Lei de Execução Penal, sancionada pelo presidente João Figueiredo, que ao longo dos anos vem sendo modificada constantemente.

O que se sabe é que no Congresso Nacional - durante os longos anos da sua tramitação - o anteprojeto inicial sofreu uma série de emendas parlamentares, praticamente desconfigurando a ideia inicial dos seus elaboradores, ademais ao invés de um Código de Execuções Penais, restou aprovada uma Lei de Execução Penal. O Brasil, nesse sentido, perdeu uma grande oportunidade de oferecer à nação uma norma codificada, que estabelecesse regras de cunho material e processual, o que não aconteceu. A Lei de Execução Penal aprovada, entretanto, trouxe grandes avanços normativos, sendo o seu texto considerado um dos melhores do mundo. Suas disposições sempre serviram de modelo para outros países. O atual Código de Execuções Penais Português, por exemplo, tem muita semelhança com a nossa LEP.

A Lei de Execução Penal de 1984, com as constantes modificações que vem sofrendo com o correr dos dias, embora seja elogiada por todos, entretanto, tem a desventura de haver fracassado no que tange à sua aplicação. O capítulo destinado aos direitos do preso, exemplificando, é praticamente esquecido pelos responsáveis pela execução da pena no Brasil. A Constituição Federal de 1988, aprovada depois da vigência da LEP, estipula que os presos devem ser separados de acordo com o sexo, idade e tipo de crime praticado.

Ora, embora tenhamos avançado muito com a construção dos presídios femininos, é notório, por outro lado, que muitos não dispõem de berçários, que devem existir fora do ambiente prisional, onde as apenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 meses de idade. A Lei de Execução Penal obriga que as penitenciárias femininas possuam seção para gestantes e parturientes, além de creches para abrigar, fora do convívio prisional, crianças maiores de 6 meses e menores de 7 anos, com a finalidade de assistir todos os menores desamparados, cuja única responsável seja a mãe presa. Cabe lembrar que os estabelecimentos penais femininos devem ter a segurança interna formada exclusivamente por pessoas do sexo feminino, o que dificilmente ocorre, com raras exceções.

Na próxima semana voltaremos ao assunto

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor Universitário, Doutor e Mestre em Direito, Membro da Associação de Imprensa de Pernambuco.

 

Tags

Autor