O enfrentamento à violência e um novo pacto social
Diversos outros levantamentos têm confirmado que a violência contra a mulher é, sem dúvidas, um dos fenômenos sociais mais desafiadores dos tempos atuais
A impressão que fica, quando olhamos para o nosso entorno, é de que vivemos, como nunca antes, tempos difíceis. A violência contra a mulher ocupou destaque nas redes, nos últimos dias, quando foi exposta a situação em que vivia uma famosa modelo, apresentadora, influenciadora digital e empresária, que culminou com uma cena lamentavelmente infeliz e corriqueira: o marido agredindo-a na frente do filho. Como tantas outras, apesar da sua situação econômica diferenciada, a vítima suportou muito antes que a sociedade tomasse conhecimento da sua real condição de vida.
Ao denunciar e expor, ela fechou um ciclo, cujas marcas emocionais perdurarão, possivelmente, por muito tempo. Se a fama não a protegeu, certamente o anonimato acaba configurando a situação ideal para a perpetuação da violência. O Fórum Brasileiro de Segurança Público trouxe dados alarmantes, em pesquisa realizada em janeiro deste ano, em diversos municípios brasileiros: 33,4% das mulheres brasileiras, na faixa etária a partir dos 16 anos, sofreram violência física ou sexual provocada por parceiro íntimo ao longo da vida. Agressões físicas, como tapas, batidas e chutes, afetaram 24,5% das entrevistadas e 21,1% foram forçadas a manter relações sexuais contra sua vontade.
Diversos outros levantamentos têm confirmado que a violência contra a mulher é, sem dúvidas, um dos fenômenos sociais mais desafiadores dos tempos atuais, inclusive porque não há solução simples para questões complexas, que perpassam uma visão social arraigada sobre papéis e determinantes sociais. Olhando para isso, o Ministério das Mulheres lançou nesta semana a iniciativa “Brasil sem Misoginia”, que busca articular diversos setores brasileiros (governos, empresas, sociedade civil, ONGs, times de futebol e torcidas organizadas, universidades, grupos religiosos, entre outros) para promover o debate sobre o ódio e todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres.
É muito relevante ter o tema tratado às claras, cotidianamente, em diversas instâncias, conclamando cada ator e instituição social a fazer o seu papel. Mas é preciso muito mais compromisso com a prevenção, punição exemplar e educação que transforma. É necessário muito investimento em políticas públicas que reforcem os mecanismos já estabelecidos de proteção. O desafio é fazer isso em uma sociedade dividida, esfacelada, comprometida com os desafios individuais e muito pouco senso de coletividade estabelecido.
É por isso que as violências se somam e se reforçam. A violência de gênero é ainda mais presente, a depender da condição social da vítima e se ela for negra; a violência policial é perpetrada majoritariamente contra jovens negros; a violência contra o idoso e contra as pessoas com deficiência é reforçada pela vulnerabilidade socioeconômica; tudo isso demonstra que o enfrentamento não deve ser uma ação isolada, localizada e específica. A sociedade precisa se movimentar na direção da paz, do equilíbrio social e da justiça.
Priscila Lapa, doutora em Ciência Política