ELEIÇÕES NA ARGENTINA O pântano e o desconhecido
Os argentinos apostaram no desconhecido para sair do atoleiro. Mas, podem estar empurrando a Argentina para o abismo.
Na tentativa de escapar do pântano, os argentinos decidiram se jogar no desconhecido, preferindo a incertezas do futuro a continuar afundando no atoleiro. Assim pode ser sintetizado o resultado das eleições presidenciais da Argentina que elegeu o excêntrico e controverso Javier Milei com uma grande vantagem para o candidato do peronismo. Venceu Sérgio Massa em 21 das 24 províncias da Argentina e superou a votação do adversário em quase 12 pontos percentuais. Ele derrotou a máquina do governo, que apoiava Massa, e esmagou o peronismo, enraizado na sociedade argentina, sem contar com estrutura partidária e apoio de governadores de Província. O político esotérico, que se aconselha com seu cachorro morto e toma decisões baseado nas cartas do Tarô, atraiu os votos de 23 milhões de argentinos.
Representando o político-artista e humorista, gritando com uma motoserra na mão, ao longo da campanha ele divulgou um cardápio de propostas alucinadas e disruptivas. O libertário que iria salvar a Nação prometeu fechar o Banco Central, tornar o dólar a moeda nacional, romper com o Mercosul e com a China e liberar o comércio de órgãos humanos. E ainda atacou o Papa Francisco, argentino líder da igreja católica, e elogiou ninguém menos que a ex-primeira-ministra da Grã-Bretanha, Margareth Tatcher, que agrediu a autoestima dos argentinos na guerra das Malvinas.
Como este personagem tão excêntrico se elegeu presidente da Argentina? O país vive uma crise profunda, inflação de150% ao ano e pobreza chegando a 40% da população é um péssimo cartão de visita do governo peronista, principalmente quando o seu candidato é o Ministro da Economia. Mas, o resultado eleitoral parece indicar mais do que apenas uma insatisfação com os rumos da economia, mostrando que os argentinos não aguentavam mais o domínio político do peronismo retratado na família Kirchner, que acelerou o processo de decadência econômica e social da Argentina.
Os argentinos preferiram eleger Javier Milei, o agitador de despropósitos e ideias malucas, a aceitar a continuidade do peronismo liderado por Cristina Kirchner, com o conhecido desastre econômico e social, decidiram correr o risco de entregar o poder a um desvairado que empurrasse a Argentina para o abismo. Se o futuro presidente insistir e conseguir implementar o que prometeu na campanha, vai, de fato, dar um empurrão que falta para a Argentina cair no precipício. Felizmente, ele não vai conseguir. Em primeiro lugar, as forças de centro e de direita racional que o apoiaram no segundo turno, liderada pelo ex-presidente Maurício Macri, não concordam com as propostas estapafúrdias do anarco-capitalista. E terá que contar com estas forças na medida em que sua base parlamentar é insignificante, impedindo aprovação de qualquer medida disruptiva e irresponsável, como o fechamento do Banco Central e a saída do MERCOSUL. Em relação ao MERCOSUL, o mais provável é que Milei se junte aos governos liberais do Uruguai e do Paraguai para pressionar por redução da Tarifa Externa Comum, com maior abertura da economia regional.
O candidato Milei já vinha moderando suas posições na campanha depois que conseguiu o apoio de Macri e de Patrícia Bullrich, que tinha conseguido quase 24% dos votos no primeiro turno, e terá que rever a sua plataforma. Se não para introduzir racionalidade ao seu governo, ao menos para tentar algum apoio político na Câmara de Deputados e no Senado. Quando se sentar na cadeira de presidente, no próximo dia 10 de dezembro, Javier Milei vai ter que esquecer as suas ideias insanas e passar a negociar politicamente medidas efetivas e de efeito rápido para enfrentar a inflação, a crise cambial e o desastre social da Argentina. Ele terá que transformar a popularidade alcançada com o discurso contra o sistema em propostas realistas que viabilizem um apoio político no Congresso, principalmente para aprovar algumas reformas econômicas e medidas de redução das despesas públicas. Nada disso terá aprovação fácil, considerando os interesses consolidados e a necessidade de manutenção de subsídios e programas sociais diante do quadro de grave degradação social. Por tudo isso, os argentinos apostaram no desconhecido para sair do atoleiro. Mas, podem estar empurrando a Argentina para o abismo.
Sérgio C. Buarque, economista