OPINIÃO

Roubaram o Menino Jesus das Graças

Se foi famélico, mesmo indiretamente por não ser comestível, Cristo vai entender e perdoar. Haverá de sentir-se bem, ficará feliz ao ver sua imagem e semelhança matando a fome de alguém

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SÉRGIO GONDIM

Publicado em 24/11/2023 às 0:00 | Atualizado em 25/11/2023 às 19:39
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O rapaz cheio de músculos e com sapatos esportivos de marca famosa chegou na praça, respirou, alongou e urinou na parede do equipamento. Isso a 10 metros do sanitário público recém-inaugurado e ainda bem cuidado, na praia de Boa Viagem.

Outro saiu do shopping center e, na guarita, depois de ouvir o agradecimento eletrônico seguido de convite para voltar, jogou um pacote vazio de salgadinho pela janela. Por instantes houve esperança de que tivesse sido descuido dos pais com as crianças, mas durou pouco, pois logo a seguir viu-se descer o vidro do motorista que soltou no asfalto, lentamente, uma lata de refrigerante.

Roubar o Menino Jesus do parque das Graças é pouco diante disso. Pode ter sido por fé e adoração. Por fanatismo. Pode ter sido por esperança ou necessidade. Quem sabe, pensando em conseguir um preço bom na feira de artesanato. Talvez levar no troca-troca e sair com uma bicicleta também roubada ou uma camisa de seu ídolo Neymar, bom de bola e nada mais. Quem sabe pensando em fazer um altar para orações pelo futuro da Argentina sem moeda, sem banco central, sem estatais, aconselhado por cães e com medo de comunistas. Não teria lógica dissolver o barro para fabricar tijolos e construir um lar abençoado, muito menos simplesmente ornamentar sua própria árvore de Natal já que estaria ferindo os princípios cristãos ao roubar o próprio Cristo. Não deve ter feito isso querendo ser preso para conseguir uma audiência para sua esposa no ministério da justiça. Não foi para pedir resgate, afinal todo mundo sabe que tendo nascido numa manjedoura, José não teria como pagar, a não ser que os fiéis organizassem uma cota, mas ele não deve ter Pix. Se fosse por resgate, poderia ao menos ter levado um dos reis Magos, afinal rei é rei e até hoje não ficou claro se aqueles presentes foram declarados na receita federal ou eram personalíssimos, próprios para venda no mercado negro. Também não é sabido se São Pedro, por mais próximo e íntimo, se passaria para um serviço desses, em nome do senhor.

A pessoa que teve coragem de roubar Jesus Cristo precisa aparecer nas câmeras de segurança e ser analisado. Se foi famélico, mesmo indiretamente por não ser comestível, Cristo vai entender e perdoar. Haverá de sentir-se bem, ficará feliz ao ver sua imagem e semelhança matando a fome de alguém.

Sérgio Gondim, médico

 

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