OPINIÃO

Por que o Brasil não cumpre a Lei de Execução Penal? (3)

Ao lado dos graves excessos de execução que comprometem o direito do condenado e a Lei de Execução Penal, está a decisão judicial que realiza a regressão de regime, para o fechado, quando o réu foi condenado em regime aberto ou semiaberto

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Adeildo Nunes

Publicado em 30/11/2023 às 0:00 | Atualizado em 30/11/2023 às 17:43
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Quando alguém é acusado pela prática de um ilícito penal, surge de logo a intervenção do Estado, através dos seus órgãos de Justiça Criminal, com o fim de realizar a denominada persecução penal, que consiste na investigação dos fatos, pela polícia judiciária, na instauração e na conclusão do processo penal, realizadas pelo juiz criminal e, sendo o réu condenado, inicia-se o processo de execução da pena que estiver estabelecida na sentença. Portanto, três são as fases dessa persecução penal, cada uma delas com uma finalidade diferente. Sendo o acusado absolvido, é claro que não há que se falar em processo de execução penal, pois, para a sua subsistência, exige-se que haja uma condenação por sentença judicial transitada em julgado.

Será sempre exigido, para a instauração do processo de execução, como se nota, que a sentença penal tenha concluído pela condenação do acusado. De acordo com a Constituição da República, só será possível punir o infrator da lei penal brasileira com uma sanção de multa, perda de bens, restrição de direitos ou privação de liberdade. A pena de multa e a perda de bens podem ser estipuladas isoladamente ou cumulativamente com outra sanção penal.

Duas são as finalidades da execução penal: a efetivação da sentença penal condenatória e a integração social do condenado. Ora, fazer cumprir a sentença penal condenatória, sem dúvidas, além de ser a parte culminante da persecução penal pelo Estado, representa o efetivo cumprimento da pena imposta, é dizer, a consumação repressiva do Estado. A missão de fazer cumprir a condenação e integrar socialmente o condenado, entretanto, é de responsabilidade, no Brasil, de 8 (oito) órgãos: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Secretaria Nacional Políticas Penais, Secretarias de Administração Penitenciária Estaduais, Conselhos Penitenciários dos Estados, Patronatos, Conselhos da Comunidade, Ministério Público, Defensorias Públicas e Juízo de Execução Penal. Como era de se esperar, cada um desses órgãos tem uma função diferente, mas todos, indistintamente, são os verdadeiros responsáveis pela execução da pena no Brasil.

Às Secretarias Nacional de Políticas Penais e de Administração Penitenciária dos Estados, por exemplo, cumprem a missão de construir, reformar e manter os estabelecimentos prisionais, enquanto ao Juiz das Execuções Penais cabe conduzir o processo de execução penal, com a participação dos demais órgãos de execução.

Os altos índices de reincidência criminal, em relação àqueles que passam pelas prisões, uma realidade cruel, decorrem da ausência de políticas penitenciárias que efetivamente reintegrem o condenado à vida social, depois de cumprida a pena. Trabalho, educação, saúde, assistência jurídica e ausência de vagas, uma obrigação do Estado e direito dos presos e da sociedade, são os fatores sociais que mais contribuem para a dessocialização dos condenados. Sim, ao invés de ressocializar, no Brasil, infelizmente, as prisões dessocializam os seus prisioneiros, face à ausência de políticas sociais e penitenciárias integrativas, como exige a Lei de Execução Penal.

Como uma das finalidades da execução da pena é o efetivo cumprimento da sentença penal condenatório, outro grande dilema carcerário é o descumprimento da Lei de Execução Penal no tocante ao excesso de execução. Diz-se que há excesso executório quando o Estado exige do condenado mais do que pode exigir. Aqui está um dilema que perdura de há muito no mundo da execução da pena. Se o Estado só pode exigir do condenado o que estiver na sentença, que é o título judicial, por que é que tantos condenados em regime semiaberto e aberto estão cumprindo pena em regime fechado? O excesso de execução, por conseguinte, denigre a execução penal brasileira, pois o Estado só pode exigir do condenado aquilo que esteja estabelecido na sentença penal condenatória.

Quando o apenado possui mais de uma condenação, no processo executório, há necessidade de unificar essas penas, na Vara de Execução Penal competente. É comum ver decisões de unificação de pena impondo um regime mais severo ao condenado, contrariando a sentença penal condenatória, sem contar que, neste caso, há uma grave violação à coisa julgada. Réu condenado em mais de um processo penal, todos em regime semiaberto, bem por isso, jamais poderá cumprir a sanção em regime fechado, sob pena de visível excesso de execução penal, coisa comum de acontecer no Brasil.

Ao lado dos graves excessos de execução que comprometem o direito do condenado e a Lei de Execução Penal, está a decisão judicial que realiza a regressão de regime, para o fechado, quando o réu foi condenado em regime aberto ou semiaberto. Aqui estamos diante de outra grave ofensa à coisa julgada, que não pode ser referendada pelo Poder Judiciário, ademais o instituto da coisa julgada está previsto na Constituição Federal de 1988, no capítulo destinado aos direitos e garantias individuais.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor, Doutor e Mestre em Direito, Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas - IBCJUS

 

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