OPINIÃO

Milei e Lula: nova fase do populismo na América Latina

O presidente Lula demonstra pouca propensão em aproximar-se do presidente do país vizinho através da diplomacia presidencial, como lhe é de costume, mas age com prudência e pragmatismo na manutenção dos laços.

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LAURA ARAÚJO

Publicado em 29/11/2023 às 17:00
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A palavra populista permeia nosso dia-a-dia há algum tempo, saiu do vocabulário político e adquiriu diversos significados e confusões. Explico, algo que o populismo não é: necessariamente um governo popular, no sentido quantitativo-majoritário da fatia da população; tampouco é um governo necessariamente preocupado em fazer políticas populares, como políticas de distribuição de benefícios sociais, como o Bolsa-Família, Casa Verde-Amarela, dentre outros programas que beneficiam um grande número de usuários... Qualquer político que precise de aprovação majoritária da população tem dificuldade em cortar esses benefícios, pois atende uma vasta parcela do eleitorado e modificá-lo substancialmente implicaria em um alto custo eleitoral.
Uma característica essencial do populismo é a criação de inimigos, alguém ou alguma instituição: algo que desempenhe esse papel. A partir daí a liderança populista montará seu discurso como de oposição e travará uma batalha no campo discursivo para mostrar-se diferente daquele grupo de corruptos, impuros, traidores, infiéis e elitistas.
Populista tornou-se também um xingamento, fato que parte da literatura se põe enfaticamente, mas, tendo em vista aspectos práticos: países que enveredaram por este caminho presenciaram uma diminuição na qualidade de suas democracias. Sejam grandes democracias como os Estados Unidos no período de Donald Trump ou democracias recentes como a Hungria de Órban e países com deferentes ideologias como Venezuela e Polônia. Dessa forma, políticos populistas tendem a atentar contra instituições democráticas, oposição, jogo político em si e o contra a separação e independência dos poderes; todos os exemplos citados cumpriram essa lista à risca. Então, não se pode afirmar que o populismo seja meramente um recurso discursivo ou parte inerente da política.
A comunicação e a mobilização da insatisfação popular são peças-chaves do populismo e Milei, recém-eleito presidente da Argentina, soube utilizá-las com eficácia. O ultradireitista soube personificar a insatisfação de grande parte do eleitorado argentino com o sistema e o Peronismo, caracterizando-se como um outsider e personagem controverso, fórmula conhecida por eleitores atentos.
Realizar análises à posteriori é sempre mais simples do que levantar conjecturas, mas mobilizando a teoria do voto econômico e analisando a tendência dos últimos 20 anos do eleitorado argentino de "punir" os incumbentes que não apresentam resultados satisfatórios, Massa, sendo Ministro da Economia com um país com inflação de aproximadamente 140% ao ano, não tinha um cenário favorável à frente, mesmo que parte das pesquisas dissesse o contrário.
No entanto, uma vez que o político populista deixa de ocupar formalmente o lugar de oposição, tende a mudar seu comportamento, convergindo um pouco mais para o centro e voltando suas ações para posturas mais moderadas. Mas isso não implica que tais mudanças sejam comumente acompanhadas de discurso mais amenos, pois os políticos costumam se manter em "modo eleitoral" durante todo o mandato. Sendo assim, ainda candidato, Milei elegeu o atual presidente do Brasil, Lula, como antagonista, chamando o petista de corrupto, comunista e intervencionista durante a campanha, utilizando o apoio e convidando o conservador de direita e ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro para conversas e eventos, aproveitando para antagonizar com o petista e mobilizar sua base de apoio.
Mas pragmatismo sempre nos convida à realidade, especialmente na política, o ultradireitista e anarcocapitalista agora busca reatar laços com o atual presidente do maior país da América Latina, com o qual partilha vários pontos da agenda internacional e interesses em comum, em especial o Acordo Mercosul-União Europeia. O presidente Lula demonstra pouca propensão em aproximar-se do presidente do país vizinho através da diplomacia presidencial, como lhe é de costume, mas age com prudência e pragmatismo na manutenção dos laços.
Estamos presenciando um novo capítulo na história da relação Brasil-Argentina, onde a rivalidade no futebol vem acompanhada de uma rivalidade ideológica, e a interação entre um político democrático popular de centro-esquerda e outro populista de ultradireita. Relação que trará repercussões locais e regionais, cabe a nós conjecturar e produzir análises. Mas, enquanto isso preparemos nossas pipocas, os encontros e as farpas trocadas darão o que falar e vamos observar a repercussão dessas nas instituições.

Laura Araújo, cientista política e doutoranda pela UFPE

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