OPINIÃO

Festa na zona

O bar regurgitava dos clientes de sempre, entre eles, magistrados, advogados, políticos, senhores de engenho, escritores, boêmios e desocupados

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ARTHUR CARVALHO

Publicado em 06/12/2023 às 0:00 | Atualizado em 06/12/2023 às 9:32
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Caía a tarde, "tristonha e serena", na zona do Cais do Porto, quando Hugo da Peixa adentra o bar de Waldemar Marinheiro, acompanhado de Sylvio Caldas. Sempre que vinha ao Recife, o Caboclinho Querido se hospedava na casa do renomado e saudoso otorrino Nelson Caldas, pai de Titico, porque Hugo era parente da mulher de Nelson.

O bar regurgitava dos clientes de sempre, entre eles, magistrados, advogados, políticos, senhores de engenho, escritores, boêmios e desocupados. Aplaudidíssimo, o lendário seresteiro afinou o violão, e ensaiava os primeiros acordes do samba Favela, de Roberto Martins, um dos presentes começou a cantarolar uma estrofe fora da curva, falando em calhambeque. Surpreso e constrangido, Sylvio parou de tocar: "Aqui, não. Tremendão, não. Isto aqui é terra de Capiba, Antônio Maria e Fernando Lobo."

O ensaísta Bebé Seixas, que, apesar de rico e descendente de família tradicional, detestava mediocridade, começou a recitar Ascenso Ferreira, Austro Costa e Lêdo Ivo. Abrilhantando o sarau, Andrezinho Carneiro Leão, profundo conhecedor de literatura brasileira e portuguesa, competente crítico de cinema, com coluna em jornal recifense, preferia Ataulfo Alves: "Nada de bi bites."

O bardo Garibaldi Otávio - o "poeta Gari", do "claro canário canta o amarelo dos cajás", lembrou Rogaciano Leite: "Esses meus cabelos brancos que hoje estão da cor dos bancos solitários de um jardim," acompanhado magistralmente por um Sylvio Caldas de cabelos grisalhos e olhos marejados. E a plateia de coroas veio abaixo, puxada por mulheres de lábios vermelhos, minissaias, decotes generosos e tamancos amarelos.

Quando Renato Carneiro Campos recitou Patativa do Assaré, Pinto do Monteiro, Oliveira de Panelas e Zé Dantas, Artur Coutinho, da usina Cansanção de Sinimbu, de Alagoas, chorou de emoção. Herculano Bandeira, da Mussurepe, de Pau d'Alho, levanta-se da mesa onde estava com o primo Ricardo de Paula Lopes, vai até a calçada e descarrega o 38 em direção à lua cheia. A polícia não interveio porque meu compadre, o mítico delegado Jayro Pontes Cavalcanti, bebia no bar com o Prefeito Jarbas Vasconcelos.

Aturdido com os inesperados disparos de Herculano, o paquete D. Pedro II, atracado no Marco Zero, apitou três vezes, como a pedir socorro, e a fumaça de sua chaminé, tingiu de cinzento as nuvens do céu já estrelado de verão. E a farra amanheceu, regida por Bispo, o maitre baiano. Recife era feliz e não sabia!

Arthur Carvalho, da Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ

 

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