OPINIÃO

Por que o Brasil não cumpre a Lei de Execução Penal? (4)

São poucos os centros de observação existentes para a realização da classificação dos presos, enquanto praticamente inexistem os bancos de dados do perfil genético dos condenados, na esfera da União e dos Estados, criados há mais de 10 anos, mas sem a sua efetivação

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Adeildo Nunes

Publicado em 07/12/2023 às 0:00 | Atualizado em 07/12/2023 às 21:42
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Dando prosseguimento aos nossos comentários sobre a não aplicação da Lei de Execução Penal no Brasil (Lei nº 7.210/1984), cumpre lembrar que todos os condenados à pena privativa de liberdade, por sentença judicial transitada em julgado, quando não cabe mais recursos judiciais impugnando a condenação, indistintamente, devem ser submetidos ao exame de classificação, pela administração prisional, nos centros de observação, onde houver, ou nos presídios comuns, quando deverão ser analisados, individualmente, os seus antecedentes e sua personalidade, com a finalidade de orientar a execução da pena e a sua individualização. A individualização da pena é uma exigência de cunho constitucional, uma responsabilidade do Estado, cuja classificação deve ser realizada por uma comissão técnica que cada estabelecimento prisional deve constituir, com a participação do seu diretor, psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras e técnicos penitenciários.

Começa que no Brasil são poucos os centros de observação em atividade, estabelecimentos prisionais indispensáveis para a individualização da execução pena, os verdadeiros responsáveis pela realização de exames criminológicos, que em muito contribuem para oferecer informações básicas sobre a pessoa do condenado, sem contar que esses exames podem ser requisitados a qualquer momento pelo juiz da Execução Penal. Esses centros de observação devem ser instalados em unidade autônoma ou em anexo aos presídios comuns. Pernambuco tentou implantar o seu centro de observação (Cotel), mas o seu funcionamento durou muito pouco, face à ausência das mínimas condições humanas e materiais. Hoje, infelizmente, o Cotel tornou-se uma prisão comum, já que acolhe mais de 3 mil presos, provisórios e condenados.

A ausência da classificação em relação aos condenados à pena privativa de liberdade, que deve ser realizada

nos centros de observação ou, na sua falta, nas penitenciárias onde o preso vai cumprir a reprimenda, é um desfalque enorme não só para a individualização da pena, mas, principalmente, deixa de servir como elemento de convicção para o juiz das Execuções Penais e para o Ministério Público, no âmbito do processo de execução que tramita na Vara de Execuções Penais. A verdade é que nunca houve interesse em construir e manter esses centros de observação, comprovando que essa omissão do Estado (União e Estados-Membros) em muito contribui para uma execução penal falha e por vezes desumana.

Com a Lei nº 12.654, de 2012, com a nova redação dada pela Lei nº 13.964/2019, o legislador federal obrigou que a União e os Estados criassem um banco de dados sigiloso, com a finalidade de armazenar a identificação do perfil genético de todos os condenados pela prática de crimes graves, mediante a extração do DNA, por técnica adequada e indolor. A coleta e o armazenamento do perfil genético desses condenados têm como principal motivo o uso, pela Polícia Judiciária (Federal e Civil), em suas investigações criminais, informações relevantes que contribuam, por demais, com a obtenção da autoria certa no que tange aos fatos criminosos, uma técnica que de há muito vem sendo utilizada, com sucesso, nos países europeus e nos Estados Unidos da América. Com a identificação do perfil genético do condenado, evidentemente, a prova da autoria criminosa será sempre mais fácil de ser alcançada, evitando, como geralmente acontece no Brasil, o uso da prova testemunhal como única forma de comprovar os fatos, que muitas vezes não são convincentes com a verdade real. Para o livre acesso ao perfil genético dos condenados, porém, há necessidade de a autoridade policial investigativa requerer a sua obtenção ao juiz criminal competente, pois tratando-se de dados sigilosos, eles só podem ser utilizados mediante ordem judicial.

Ora bem: passados mais de 10 anos da exigência legal, poucos são os Estados que criaram e que estão em pleno funcionamento o seu banco de dados genéticos, ademais as verbas para a sua criação e manutenção dependem de recursos provenientes do Fundo Penitenciário Nacional, gerido pelo Ministério da Justiça, que pouco tem desenvolvido esforços no sentido de oferecer aos órgãos investigativos as informações deveras úteis para a elucidação de crimes.

De tudo resulta que o Brasil, mesmo havendo disposições legais exigindo a sua criação e a sua manutenção, conforme previsão na Lei de Execução Penal, a verdade é que são poucos os centros de observação existentes para a realização da classificação dos presos, enquanto praticamente inexistem os bancos de dados do perfil genético dos condenados, na esfera da União e dos Estados, criados há mais de 10 anos, mas sem a sua efetivação.

Adeildo Nunes, juiz de direito aposentado, professor, doutor e mestre em Direito de Execução Penal pela Universidade Lusíada de Lisboa, cursando pós-doutorado na Universidade de Salamanca-Espanha, sócio do escritório Nunes, Siqueira & Rêgo Barros - Advogados Associados

 

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