OPINIÃO

A liberdade de imprensa segundo o STF: muita calma nessa hora

Se há o que esclarecer no julgado (para alguns, p.ex., a questão de como ficam as entrevistas ao vivo), que se esclareça pelas vias adequadas. O certo é que não se reinstalou a censura no País, mas se reafirmou que, com grandes poderes (como os tem a mídia sobre as reputações), caminham equivalentes responsabilidades

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Gustavo Henrique de Brito Alves Freire

Publicado em 09/12/2023 às 0:00 | Atualizado em 09/12/2023 às 10:28
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Vem causando algum burburinho, inclusive na comunidade jurídica, o que já se espera em assuntos sensíveis, daí porque divisivos, o julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário (RE) 1.075.412, do qual resultou a fixação de tese vinculante, conectada ao tema da liberdade de imprensa, dentro das seguintes premissas básicas:

1) A proteção constitucional da liberdade de imprensa se conjuga pelo binômio liberdade com responsabilidade, proibindo-se a censura prévia.

2) Cabem a análise e responsabilização posteriores, inclusive, com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas ou mentirosas, o que também é suscetível de oportunizar danos materiais e morais.

3) Publicada entrevista em que o entrevistado impute falsamente crime a terceiro, a empresa jornalística só responde civilmente se à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação ou se deixou de guardar o dever de cuidado na checagem da veracidade dos fatos.

O ponto-problema floresce, para alguns, no momento em que se controverte se a conclusão do julgamento em realce não levaria a abusos e à autocensura. Exemplifica tal corrente o constitucionalista Lênio Streck, segundo quem o STF, ao definir a tese, quis "dar respostas antes das perguntas", acrescentando que "nenhum país do mundo faz esse tipo de norma em abstrato" e que "o Judiciário pensa que pode abranger todas as hipóteses de aplicação de uma lei", quando isso é humanamente irrealizável. Outros autores rotulam a tese de confusa, geradora de subjetivismos e sinônimo de insegurança jurídica.

Na mão oposta, não são poucos os que sustentam que, ao proteger o binômio liberdade/responsabilidade, o STF prestigiou a razoabilidade e o fez ao abraçar o pressuposto de que a publicação ou repercussão de conteúdo sabidamente falso ou errôneo deve alcançar as empresas jornalísticas, sob pena de impunidade.

A respeito, trecho de editorial de O Globo: "No momento em que a sociedade cobra das plataformas digitais que se responsabilizem pelos conteúdos que distribuem, ainda que não os produzam, os veículos tradicionais não poderiam se furtar à responsabilidade pelo que publicam. É isso que sempre caracterizou o jornalismo profissional e continuará a caracterizá-lo (...). A atividade jornalística pressupõe a busca incessante da verdade sobre os fatos, divulgados ao leitor ainda quentes, à medida que chegam ao conhecimento dos jornalistas, no calor da luta pela informação. Erros podem acontecer".

De fato, no que se relaciona com o jornalismo profissional, há princípios a serem seguidos religiosamente (objetividade, integridade, isenção etc). Nesse plano reflexivo, a presunção geral é simples: não se erra deliberadamente, mas por má-fé ou negligência grosseira. Dita cultura remonta à Justiça norte-americana com a sua doutrina da "actual malice" (correspondente ao nosso dolo), materializada no caso New York

Times versus Sullivan, do ano de 1964, ocasião em que a Suprema Corte estipulou, para que haja a condenação de veículo de mídia pelas informações que reproduz, a necessidade de provas do conhecimento prévio de que a notícia seja falsa ou então da negligência no dever ético de buscar a verdade factual ("reckless disregard of whether it was false or not").

Daí por que erros involuntários não têm como ser puníveis, sob pena de um efeito silenciador altamente negativo ("chilling effect"), o que não foi, nessa amplitude, a orientação do STF por aqui. Aliás, o próprio Presidente da Corte, Ministro Barroso, declarou: "A única restrição à liberdade de expressão é a atuação mal-intencionada de veicular informações falsas". Claro como a luz da Lua, parafraseando Lulu Santos.

Se há o que esclarecer no julgado (para alguns, p.ex., a questão de como ficam as entrevistas ao vivo), que se esclareça pelas vias adequadas. O certo é que não se reinstalou a censura no País, mas se reafirmou que, com grandes poderes (como os tem a mídia sobre as reputações), caminham equivalentes responsabilidades. Ninguém pode pretender-se imune a isso. O que não se tolera na Constituição é o automatismo responsabilizador ou as generalizações. E isso o Supremo não fez.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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