Varal de lembranças
Revejo-me criança, de calças curtas, jogando futebol, crédulo, indo à escola
Quem não tem as suas horas de solidão? São momentos de reminiscências e de reflexões. Um pomar de saudade à frente de todos nós para, num varal de lembranças, estendermos as recordações que pulsam e pululam em nossos corações.
Os verdes anos, doce meninice “... da aurora de minha vida/ da minha infância querida/ que os anos não trazem mais!...,” segundo Casimiro de Abreu. Sou um nostálgico da criança que ficou nos longes de antigamente, mas que persiste em mim.
Revejo-me criança, de calças curtas, jogando futebol, crédulo, indo à escola, ao Grupo Escolar João Barbalho, depois ao Colégio Nóbrega, este de portas cerradas num ato cortante aos que andaram aqueles corredores sob a inspiração dos jesuítas. Ali fiz a minha formação, inclusive presidindo, ainda no chamado curso ginasial, os Acólitos da Igreja de Fátima (AIF), instituição formada, em sua maioria, por rapazes dos então cursos científico e clássico.
Deter as horas, quem há de? Elas tecem os dias e estes, inexoravelmente, os anos. “O tempo não para! A saudade é que faz as coisas pararem no tempo...,” recorro ao poeta Mário Quintana, para, nesse banzo, assistir ao perpassar dos cenários redivivos e vistos sob as retinas de quem sabe guardar, do passado, o que não passou.
Arruar, com os amigos, pela cidade do Recife, sem medo dos assalts e sobressaltos. Deste Recife de Edson Régis: “E fico sem resposta o dia inteiro, / perdido no Recife onde me achei.” Desta cidade mágica, que faz (re)encontrar quem se perder nos seus becos e ruas, casarões e casarios, rios e pontes, a Veneza Brasileira.
Recife. Ponte Buarque de Macedo. “Eu, indo em direção à casa do Agra, / assombrado com a minha sombra magra, / pensava no destino e tinha medo!,” de Augusto dos Anjos. O futuro era também a minha inquietação.
Hoje, a realidade continua sendo o meu temor porque o ser humano tem medo de ser humano, porque o mal teima em vencer o bem, deixando a tecnologia, mesmo que tecida pelas mãos do homem, muito mais a serviço da barbárie do que da vida.
Com sorvete na Gemba, as regatas nas águas do Capibaribe. “Recife romântico dos crepúsculos das pontes e da beleza católica no rio,” segundo Joaquim Cardozo.” O rio está em nossa infância. / Tomávamos banho nele. / Hoje ele se banha em nós,” nesse poema aquático de Gastão de Holanda e que retrata tão bem o quanto as águas de um rio se incorporam à imagem de uma cidade, às retinas de uma saudade.
Chamo Mauro Mota: “O Capibaribe compõe o Recife, / o Recife compõe o Capibaribe/ com os edifícios marginais/ e os casarios semiaquáticos.” E chamo César Leal: “Velhas e tantas igrejas / tantas pontes inventadas / sob as pontes velozmente / corre a vida em disparada.” Que sobre tempo às recordações, e cada qual tenha o seu varal de lembranças num coração em festa!
Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo (Abevt).