Ministro Dino
O Ministro acima de tudo vem se provando uma inabalável sentinela da democracia em tempos turvos. Nunca desanimou ou perdeu o prumo. Lutou com as armas da palavra e da resiliência contra o extremismo golpista
Da excruciante sabatina a que submetido o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, perante a CCJ do Senado, para a vaga no STF aberta com a aposentadoria da Ministra Rosa Weber, no último 13/12, horas e horas que o indicado tirou com o bom humor de costume, chamou a atenção o raciocínio de parcela dos que revelaram o seu voto contrário: mesmo reunidos os pressupostos constitucionais (ser brasileiro nato; idade entre 35 a 65 anos; fruição dos direitos políticos; notável saber jurídico; e reputação ilibada), preenchimento que ditos congressistas admitiram, ainda assim, reprovavam Dino.
O Ministro é dessas figuras não repetidas facilmente no álbum da vida e que se bastam. Exibe uma personalidade consequencial, que, aglutinada a uma paciência tibetana, o tornam alvo preferencial de facetas nada lisonjeiras da condição humana. Se um só nome pudesse exemplificar, nesse sentido, o "brasileiro cordial" sobre o qual o historiador e sociólogo Sérgio Buarque, pai de Chico, escreveu em 1936, esse nome é o do Ministro Dino.
Ora, notável saber jurídico o Ministro possui. Afora ter sido por mais de uma década Juiz Federal, o que é um concurso difícil (e no qual foi aprovado em primeiro lugar), lecionou Direito Administrativo e Direito Constitucional, possui Mestrado em Direito Público, publicou diversos livros especializados, foi assessor da Presidência do STF e secretariou o Conselho Nacional de Justiça. Em que pese não haja um conceito para tanto no artigo 101 da Constituição, notável (do latim "notabilis") implica aquilo que chama a atenção, que se destaca entre os demais itens de uma mesma categoria. Em outros dizeres, pressupõe esforço intelectual, vasto conhecimento de ramo ou ramos das ciências jurídicas. É diferente de "notório saber jurídico". Notável saber jurídico é o saber pensar com método, é o largo preparo, o reconhecimento da comunidade do Direito.
Reputação ilibada o Ministro igualmente possui. Sua trajetória na vida acadêmica, na vida jurídica e na vida política é impoluta, não registrando um único episódio nebuloso ou que o comprometa. Trata-se de uma pessoa proba, de histórico imaculado e vida pregressa sem manchas. De tudo quanto dele se sabe, uma pessoa digna.
Visto que os requisitos constitucionais para estar na Suprema Corte o Ministro reúne, só se pode presumir que será capaz de honrar novamente a toga de magistrado, cuja cor, aliás, é única, não oscilando conforme predileções outras. Chegará ao topo do sistema justiça calejado por sua experiência nos três Poderes, mas também por sua capacidade de diálogo e escuta, em um STF destinatário de duras críticas por certos segmentos, a pretexto de estar com suas decisões a fazer política, e não a aplicar justiça.
Nunca se viu tanta fake news e ódio destilados a um nome para um Tribunal Superior. O estilo de orador rápido no gatilho fez do Ministro Dino o culpado de sempre para a oposição política. Não por força de episódios de improbidade como rachadinhas, desvios ou favorecimentos indevidos. Não. Por enfrentar com inteligência os desafios de inúmeras convocações recebidas para audiências públicas em Comissões no Congresso, nas quais não raro não era indagado sobre temas da pasta da Justiça e Segurança Pública, mas constrangido, provocado e até acusado. Nunca cedeu. A serenidade sorridente se soma como mais uma marca registrada sua.
O Ministro acima de tudo vem se provando uma inabalável sentinela da democracia em tempos turvos. Nunca desanimou ou perdeu o prumo. Lutou com as armas da palavra e da resiliência contra o extremismo golpista. No STF, que seja isso também, e vá além, trabalhando para que a persecução aos antidemocratas não se perca no sacrifício das garantias sagradas de defesa, colaborativamente com a advocacia. O STF é um dique protetor, um porto seguro e uma instituição que tem serviços prestados. Seus pontuais excessos não só podem, como devem ser corrigidos, sem redução de texto, porém, naquilo que simboliza o núcleo e o útero da sua importância. No mais, o papel da Corte é o de fazer valer a Constituição, inclusive quando os demais Poderes se omitam. Que o Ministro Dino seja porta-voz desse sentimento misto. Boa sorte, Excelência.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado