Passando a régua e fechando a conta de 2023
O Brasil ainda vive os sintomas da polarização, no rescaldo das mais tensas eleições presidenciais ocorridas desde a redemocratização
Pé ante pé, como os rios cujas águas fluem ininterruptas dias e noites a fio, faça chuva ou faça Sol, frio ou calor, 2023 vai se aproximando do seu crepúsculo, abrindo espaço para o ciclo de doze meses seguinte, com a carga de expectativas que esse processo usualmente carreia consigo. O Brasil ainda vive os sintomas da polarização, no rescaldo das mais tensas eleições presidenciais ocorridas desde a redemocratização. E isso perdura quase um ano depois, o que mostra que não se trata de uma garoa passageira.
O eleito Lula tomou posse e iniciou o seu (terceiro) governo prometendo “reconstrução”, mas, com uma semana de inquilinato no Palácio do Planalto, enfrentou o maior ataque às Instituições empreendido por apoiadores do candidato derrotado.
Certo é que, seja qual for a predileção política de cada um, permanece árdua, por vezes até desestimulante, a missão de fomentar o diálogo, o que se projeta desde famílias aos grupos de WhatsApp às redes sociais, restando como castigo ao brigão ser excluído ou bloqueado pelo administrador do grupo ou pelo usuário da plataforma, o que, concretamente, não resolve grande coisa.
Até a indicação de um nome para compor o Supremo Tribunal Federal se transformou em razão para que torcidas organizadas se digladiassem na arena da internet e nos microfones outros, inclusive, os congressuais, o que põe de lado, para o cidadão, a aferição do requisito do notório saber jurídico, eclipsado pela lógica perversa de que mais importa sujeitar o oponente ao vexame da derrota.
Na saúde, 2023 foi o ano em que o planeta voltou ao “normal” após o reconhecimento da pandemia da COVID-19. Tendo sido 2022 envolto em variantes como a Ômicron, em fevereiro último chegou a vacina bivalente, e, além disso, foi reconhecida melhora nas coberturas vacinais. A Organização Mundial de Saúde (OMS), em maio, anunciou o fim da emergência global, sem, contudo, a retirada do título de pandemia. É, em suma, um “normal” entre aspas, de fato. E pensar em quantos, inclusive governantes, negaram a vacina!
Nos domínios jurídicos, 2023 marcou os 35 anos da Constituição Cidadã e a realização em Belo Horizonte, capital mineira, do maior evento planetário ligado a Direito, que foi a Conferência Nacional da OAB. Passou-se a discutir com maior intensidade, outrossim, o tema da Inteligência Artificial, que avançou largamente, não sem razão galgando a faixa de “termo da moda”. A humanidade experimenta uma fase de transição tecnológica sem volta atrás e é preciso adaptar-se, sem permitir que a máquina se torne regente do homem.
No plano internacional, fomos e continuamos impactados pelo conflito entre o Hamas palestino e o Estado de Israel, que já tirou várias centenas de vidas, sem mencionar sequestros, inclusive, de crianças e idosos pelos milicianos islamitas, ao passo em que o cerco israelense vem alijando a população civil da Faixa de Gaza de água, luz elétrica, alimentos e remédios.
Nas páginas do JC, por aqui estive quase semanalmente, no mais dos meses, sugerindo reflexões a partir de compreensões ancoradas em premissas que julguei válidas, sem o atrevimento da imposição ao leitor de qualquer linha de conclusão. Expus as minhas, apenas, nunca tendo tido dúvidas, nessa caminhada, da necessidade do reforço dos alicerces do edifício democrático, único solo fértil ao adequado desenvolvimento social. Sigo agarrado, até nos instantes difíceis, à sabedoria de Cora Coralina e toco em frente: “Recria a tua vida sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça”.
Hora de colocar o ponto final no artigo, dar um tempo para reabastecer e depois recomeçar quando 2024 estiver instalado de mala e cuia. Hora, em síntese, de desejar um Natal de alegria, união, perdão e amor a todos os que me acompanharam até aqui e de dedicar a cada um este imortal pensamento impregnado na poesia de Augusto dos Anjos:
“A esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a crença,
Vão-se sonhos nas asas da descrença,
Voltam sonhos nas asas da esperança”.
Façamos o nosso destino. Somemos – sempre – o nosso melhor. Sejamos resilientes como a esperança. Voemos em suas asas. Confiemos. Vai dar certo.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado