Feliz Ano Novo
O ano foi bom? Um alívio. Viver uma pandemia com Bolsonaro presidente foi aterrador
Pouquíssimas mulheres na administração do país: não é só falta de avanço, é atraso mesmo, porque uma mentalidade cultural se faz com ações. Demitir Ana Moser para colocar um homem branco de direita é um atraso. Nomear dois homens para o Supremo é um atraso
O ano foi bom? Um alívio. Viver uma pandemia com Bolsonaro presidente foi aterrador. Passou, e, apesar dos ecos do autoritarismo que ainda ressoam no céu pátrio e do seu epicentro no 8/1, eis-nos de volta ao saudável caminho da mediocridade. Parece que a normalidade é o principal ativo de 2023. Normalidade mediana, como é de praxe em nossa terra, em que o medievalismo se mistura com alguns devaneios de modernidade.
Ficamos sempre nas intenções, como dá exemplo a celebrada reforma tributária, que passou à custa da desconfiguração do fim desejado, mercê dos grandes interesses corporativistas. A liderança emergente do ministro, nesse contexto, não deixa de ser um bom acontecimento, lembrando que muitos dos afagos que recebe vêm do outro lado, aquele que privilegia as contas em detrimento dos que sequer têm contas. Essa é uma equação que nunca vai fechar no país. Mas o ministro é um saldo positivo do ano, sobretudo porque não se deixou contaminar pelo debate ideológico.
Aliás, o debate ideológico não aconteceu no meio social, não se discutiu projeto de sociedade, perpetua-se uma guerra de ignorantes, xiitas e sunitas em terras brasileiras. Os líderes não têm conteúdo. Nem compromissos claros. Hoje, o país não tem líderes.
No meio ambiente, sustou-se a agressão à floresta, o monstro, porém, continua ávido por combustíveis fósseis, e a foz do Amazonas é disputada. O pretexto de que é necessário limpar a atmosfera e, ao mesmo tempo, financiar o desenvolvimento é dessas falácias eternas. O conflito entre meio ambiente e desenvolvimento surgiu desde o primeiro apito de fábrica, é uma decisão que precisa ser tomada, pois a ciência já falou. Os terríveis desastres ecológicos do ano tendem a se repetir, a geração atual (de pessoas vivas, todas elas) não verá avanços na defesa do clima.
Na planície (ou no planalto, como queiram), a despeito do alívio institucional, as esperadas dianteiras nunca vieram. Pouquíssimas mulheres na administração do país: não é só falta de avanço, é atraso mesmo, porque uma mentalidade cultural se faz com ações.
Demitir Ana Moser para colocar um homem branco de direita é um atraso. Nomear dois homens para o Supremo é um atraso. Os assentos eram de mulheres negras, tinham de ser de mulheres negras. A subida da rampa, pura encenação. E a nomeação defensiva, destinada a proteger a pessoa do Presidente, é de tal forma inaceitável, não republicana, que causa náuseas; e, para meu espanto, nada fizemos, nenhum protesto bélico ou pacífico da sociedade, esparsas opiniões críticas.
Por fim, essa movimentação semipresidencialista que engorda a riqueza pessoal dos parlamentares a olhos vistos é um tapa na cara da população.
Talvez o alívio nos tenha tornado permissivos. Mas vem sempre um ano novo, um corte
imaginário no fio contínuo do tempo, para dar lugar a novos projetos e novas ações. Feliz Ano Novo, leitor!
João Humberto Martorelli, advogado