OPINIÃO

Frei Caneca, há 199 anos um troféu da humanidade

O calendário histórico-cultural de Pernambuco registra, a cada ano, um 2 de julho, data em que, neste ano, se celebra o bicentenário de um movimento que atravessa o tempo, por ser uma afirmação de bravura, de integração política e de análise social da nossa realidade e do nosso destino.

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ROBERTO PEREIRA

Publicado em 06/01/2024 às 8:18
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Em 1823, o imperador Pedro I havia convocado a Assembleia Geral, Constituinte e Legislativa, para dar ao País e à sua soberania nascente uma Constituição, aguardada em face do que representou no Brasil o Movimento das Ideias, que levou esta Nação à sua liberdade e à sua independência, lembrando que, em 1821, mediante a Convenção de Beberibe, Pernambuco já havia alcançado a sua autonomia política, antecipando-se, em 11 meses, à própria independência nacional.

Num gesto de violência que a História sempre reprovará, D. Pedro I fechou a Assembleia Constituinte de 1823. Do seu arrebatamento, praticou este ato porque, nas suas próprias palavras, a Assembleia havia sido perjura, em relação a ele, chegando a dizer que a Assembleia só se manteria em atividade se fiel a ele, à pessoa como que sagrada do imperador.

Mas o grave erro era exatamente esse: fechar a Assembleia Constituinte. Impedir que os representantes do povo pudessem dar livremente as suas opiniões e com elas patentear a vontade do povo, o desejo de uma Nação que acabava de nascer, a expectativa de que essa Carta Magna fosse realmente a expressão de uma transição política.

Elaborada a Constituição, restava ao imperador entregá-la ao povo, como uma outorga do seu poder majestático. Todavia, para coonestar a sua atitude truculenta, resolveu D. Pedro I que essa Carta outorgada só seria Constituição e só entraria em execução depois de aprovada pelas Câmaras, como se estas fossem outras Constituintes, substituindo a Constituinte dissolvida.

Frei Joaquim do Amor Divino Caneca se levantou contra essa Constituição outorgada. Contra a sanção pelas Câmaras Municipais. Contra esse ato de absolutismo de D. Pedro I. Tornou-se o panfletário da Confederação do Equador, herói e mártir da liberdade. O Typhis Pernambucano é um documento polêmico, em que seu autor, o jornalista frei Caneca, encarna toda resistência à inflexível atitude do imperador, dissolvendo a Assembleia Constituinte, outorgando uma Constituição ao País.

A Confederação do Equador é uma afirmação de um gênio político – frei Caneca –, capaz de sobreviver ao seu próprio tempo, para se projetar como uma força viva da Nacionalidade.

Frei Caneca era um obstinado pela causa da liberdade. Avultava nele o imenso cabedal de cultura. Gramático, professor de Geometria, filósofo, poeta, jornalista, orador, pensador, enfim, uma inteligência fulgurante, ajudando a fazer de Pernambuco um dos pontos cardeais da inteligência brasileira.

Em verso, Caneca chegou a dizer:

"O patriota não morre

vive além da eternidade

sua glória, seu renome

são troféus da humanidade."

Em 1817, era um dos patriotas daquela hora decisiva, quando Pernambuco marcou, juntamente com a Paraíba, o Rio Grande do Norte e o Ceará, a sua marcha pioneira para a Independência. Em 1821, veio a Convenção de Beberibe, que tornou Pernambuco autônomo onze meses antes da Independência Nacional.

Caneca não se conforma. A Independência, comprometida e negada. O frade mostra a contradição: o herói da Independência era agora o algoz da Liberdade. Daí, a Confederação do Equador, que merece celebrações à altura da nossa história, dos ideais da nossa brava gente, sendo Caneca, ele próprio, um troféu da humanidade!

Impressionante o equilíbrio emocional de Caneca. Condenado à forca para uma morte mais humilhante, terminou espingardeado. Em verso, havia dito:

"Quem passa a vida que eu passo,

Não deve a morte temer

Com a morte não se assusta

Quem está sempre a morrer."

Caneca viverá enquanto formos dignos do ideário de liberdade e de bravura que ele legou aos brasileiros de todos os recantos. No dia de sua morte, pois, essa grande lição de vida!

 

Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo (Abevt).

 

 

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