8 de Janeiro

A "democracia inabalada", a falsa narrativa

A história ainda não foi escrita. Está em seu prelúdio. Todavia, a narrativa da grande mídia é falsa

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JOSÉ MARIA NÓBREGA

Publicado em 08/01/2024 às 18:38
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Há um ano o Brasil presenciou cenas deploráveis de grupos de indivíduos insatisfeitos com o resultado das urnas nas eleições presidenciais. Grupos de vândalos adentraram nos órgãos da República e destruíram patrimônio e ameaçaram a ordem institucional. Grupos fora da lei, sim. O dia oito de janeiro ficou marcado como o dia que não acabou. Foi uma tentativa de golpe de estado? Foi mais uma cena deplorável de brasileiros que não souberam se manifestar pacificamente contra um estado de coisas? A história ainda não foi escrita. Está em seu prelúdio. Todavia, a narrativa da grande mídia é falsa. NÃO HOUVE TENTATIVA DE GOLPE DE ESTADO.

Conforme nos ensina o cientista social e jurista italiano Norberto Bobbio: Golpe de Estado é uma violação deliberada das formas constitucionais por um governo, uma assembleia ou um grupo de pessoas que detém autoridade. Nada disso ocorreu naquele dia.

Quem o faz? Ou o soberano, ou o titular ou titulares do poder político legal, ou um setor de funcionários públicos, no caso moderno, as Forças Armadas. O Golpe de Estado é executado não apenas através de funcionários do Estado, mas mobiliza até elementos que fazem parte do aparelho estatal. Esta característica diferencia o Golpe de Estado da sublevação entendida como insurreição não organizada que tem escassa ou nenhuma probabilidade de triunfar.

Curzio Malaparte afirmou que atacar as sedes do Parlamento ou dos ministérios nos dias de hoje é uma ingenuidade. Embora isso possa ser considerado um objetivo final, mais do que simbólico, o primeiro objetivo, para coroar de êxito o Golpe de Estado, é ocupar e controlar os centros de poder tecnológico do Estado, tais como as redes de telecomunicações, o rádio, a TV, as centrais elétricas, os entroncamentos ferroviários e rodoviários. Isso permitirá o controle dos órgãos do poder político.

Mesmo com essas definições extensamente propagadas pela literatura das Ciências Sociais, alguns importantes atores políticos-sociais instituíram um dia para ser lembrado cujo título está no conceito vazio de “democracia inabalada”. Mais um conceito desprovido de sentido - lembrar do conceito petista da “democracia relativa”.

O Brasil é uma semidemocracia, um regime político que, segundo a definição do cientista político norte-americano Scott Mainwaring, possui características de democracia e de não-democracia, uma espécie de hibridismo institucional no qual há garantias constitucionais formais aos direitos civis e políticos, mas ambos são violados com uma certa constância. Há parco controle civil sobre as forças armadas e a violência e a criminalidade estão em constante descontrole. Há eleições regulares, mas não há democracia sólida.

Nas palavras de Mainwaring e seus colaboradores: “se não existe respeito às liberdades civis fundamentais tradicionalmente associadas à democracia, um regime não pode ser democrático da maneira como entendemos esta palavra hoje. Sem a proteção de liberdades civis, o processo eleitoral em si é vicioso; as eleições não são livres e isentas quando a oposição se expõe a represálias por criticar o governo, quando estão proibidas a manifestação e a divulgação de opiniões contrárias ao governo, quando os partidos políticos não podem se organizar ou reunir, quando os jornalistas não podem publicar livremente suas opiniões, quando os candidatos são proibidos de viajar, e assim por diante” (MAINWARING ET AL, 2001; https://www.scielo.br/j/dados/a/y74Qn63SLFh4FGkfsvZytHg/?lang=pt).

Este é o regime político nacional, semidemocrático, no qual a interferência dos órgãos de justiça no processo eleitoral maculou às eleições presidenciais sendo, portanto, uma variável importante na vitória de Lula no pleito eleitoral. Realidade na qual diversos jornalistas anti-progressistas tiveram suas contas derrubadas pelos agentes censuradores do estado brasileiro dentro do TSE e do STF, sem o devido processo legal. Dessa forma, falar de “democracia inabalada” é de uma apelação risível. Não se abala o que não é sólido!

As forças armadas brasileiras não se envolveram nos atos antidemocráticos do dia oito de janeiro de 2023, bem como as autoridades constituídas da época, Ministro da Justiça Flávio Dino, Presidente Lula e demais atores políticos agora no poder, simplesmente foram omissos e assistiram de camarote os atos dos vândalos desvairados naquele dia fatídico.

Alexandre de Moraes, ator político que passou a ser mais midiático do que Felipe Neto, criou a narrativa do golpe e, mais recentemente, uma nova história (ou estória) na qual ele foi alvo de uma tentativa de assassinato arquitetada pelos “golpistas” do dia oito de janeiro. Até agora, sem nenhuma prova a respeito, só tiras de alguns malucos nas redes sociais.

As ameaças a qualquer cidadão configura crime e deve ser rechaçada pelas instituições coercitivas, mas entre isto e Golpe de Estado há uma grande distância, como vimos nas definições colocadas parágrafos acima. Ninguém está acima das leis (ou deveria estar). Mas, o referido ministro da suprema corte é um legibus solutus.

Quem mais atinge a insegurança jurídica do país hoje é justamente este que se diz vítima dos “golpistas”. Inquéritos ilegais e prisões arbitrárias conduzidas por ele são atos que não vêm sendo levados em conta pela narrativa da “democracia inabalada” da Rede Globo e do PT.

A história por mim contada, e para mim verdadeira, se contrapõe à história contemporânea do Brasil narrada por essa turma. Não temos democracia consolidada. A transição da ditadura para a democracia foi incompleta. Portanto, somos um regime híbrido institucional com eleições periódicas, mas sem componente liberal, no qual as instituições responsáveis pela garantia constitucional são frágeis nessa garantia e tiranas contra os inimigos do rei.

“Democracia inabalada” só na cabeça de Maju Coutinho, Alexandre de Moraes, William Bonner e os petistas. Inabalada está a minha concepção de História. Esta será respeitada por mim até o fim. O que ocorre hoje no Brasil é uma ditadura de toga com eleições relativamente livres. Uma democracia de baixa intensidade, ou seja, uma semidemocracia. O verdadeiro Golpe de Estado está em curso na principal emissora de TV e nos principais tribunais de (in)justiça.

José Maria Nóbrega, Cientista Político e Historiador.

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