OPINIÃO

Democracia abalada

A unidade de propósitos entre militares e civis desencadeou a Revolução de 1930, com a tomada do poder político das mãos dos marechais

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Adeildo Nunes

Publicado em 11/01/2024 às 5:00
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Após o grito de independência do Brasil por parte de Dom Pedro I, às margens do Rio Ipiranga, em 1822, e até os dias atuais, várias foram as tentativas de golpe de Estado, ora pelo poder político civil, ora pelos militares, tudo com a finalidade de romper o modelo de governo que predominasse em cada momento histórico. Muitas dessas tentativas restaram frustradas, mas outras tantas foram consumadas.

Durante o período Monárquico, iniciado com a Constituição de 1824, outorgada por Pedro I, e findado com a Proclamação da República (1889), o Brasil viveu momentos de constantes revoltas e de tentativas de golpe, no mais das vezes arquitetadas pelo próprio Imperador, como foi o caso da dissolução da Assembleia Nacional Constituinte criada por Pedro I, na denominada “noite da agonia”, mas desconstituída em 1823, quando tropas do exército invadiram a sede do Congresso Constituinte e cumpriram as ordens advindas do Imperador. Em 1840, com a finalidade de pôr fim ao período regencial e consagrar Dom Pedro II como o novo Imperador do Brasil, que na época tinha 15 anos de idade, deu-se o golpe da maioridade, oportunizando a ascensão ao poder do Imperador Pedro II.

A Proclamação da República, em 1889, caracterizou-se por um golpe de Estado, idealizado por militares e civis, que insatisfeitos com o regime monárquico convenceram a marechal Deodoro da Fonseca a se declarar presidente da República. Depois de eleito indiretamente, Deodoro, ao lado de Floriano Peixoto, seu vice-presidente, dissolveu o Congresso Nacional, autorizando o exército a exercer o cerco na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, declarando o Estado de Sítio e realizando a prisão de centenas de políticos que se opunham aos seus ideais.

A unidade de propósitos entre militares e civis desencadeou a Revolução de 1930, com a tomada do poder político das mãos dos marechais, dando causa à queda de Washington Luiz e a imediata ascensão de Getúlio Vargas à Presidência da República. Eleito indiretamente, Vargas idealizou e realizou um golpe de Estado em 1937, outorgando uma nova Constituição que lhe garantia o direito de governar sem a participação do Congresso Nacional.

Vargas, até 1945, governou o país através de Decretos, embora seja certo afirmar que as melhores leis aprovadas sem a participação do Congresso Nacional, em sua governança, foram aquelas que entraram em vigor na sua gestão presidencial. Vargas aprovou, por exemplo, o Código Penal de 1940, o Código de Processo Penal de 1941 e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) de 1943, que ainda hoje estão em vigor. Em 1947 Vargas foi deposto por um golpe de Estado, idealizado pelos mesmos militares que o fizera presidente da República.

Ao argumento da ascensão do comunismo no Brasil, em 1964, os militares brasileiros, com o apoio dos Estados Unidos da América, depõem João Goulart, vice-presidente da República eleito pelo voto popular, e instituem no Brasil o mais trágico dos regimes ditatoriais de toda história brasileira, quando os Atos Institucionais tinham o poder de Norma Constitucional. Presos políticos, torturas nos quarteis, fim de direitos fundamentais e das liberdades individuais, feriram frontalmente a dignidade humana, um autoritarismo sem tamanho e sem lealdade à democracia.

Eleito presidente da República pelo voto popular, Jair Messias Bolsonaro, um inexpressivo ex-deputado federal, assume os destinos do país, em 01/01/2019, prometendo acabar com a reeleição para presidente e reduzir o número de parlamentares, fim das indicações políticas, redução dos cargos comissionados, diminuição da dívida pública, unificação dos tributos federais, desoneração das folhas de pagamentos e, também, não aumentar impostos, dentre outras promessas não cumpridas.

Depois da sua posse, veio o pior: Bolsonaro inicia um processo de negação às vacinas contra a Covid, às urnas eletrônicas, proferindo constantes ataques públicos ao Supremo Tribunal Federal e aos seus membros, ao ponto de, publicamente, num 7 de setembro, bradar a sua mais infeliz locução: “a partir de hoje não cumpro mais ordens de Alexandre de Moraes”, uma frase inapropriada para um presidente da República que se preza.

Inconformados com o resultado das eleições presidenciais ocorridas em 2022, num fatídico 8 de janeiro de 2023, com a apoio de parte dos militares de Brasília, milhares de aficionados extremistas, financiados e orientados pelos que detestam a democracia, resolveram invadir os prédios do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto, à vista de parte das forças de segurança do Distrito Federal que, inertes, apoiavam os manifestantes e as depredações realizadas ao Centro da Democracia, num total desrespeito aos valores éticos e morais que sempre regeram a da nossa força pública.

Ao final daquela tragédia e do inesquecível dia, concluiu-se que os malfeitores pretendiam romper o regime democrático do país, uma tentativa de golpe frustrada, mas, sobremaneira, que em muito abalou a nossa estrutura democrática. A democracia brasileira, por isso, não foi inabalada, ademais, com certeza, ela viu-se deveras abalada pelas atitudes de quem tem desprezo e rancor pelo Estado Democrático de Direito. Viva a democracia.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor, Doutor e Mestre em Direito de Execução Penal, sócio do escritório Nunes, Siqueira & Rêgo Barros Advogados

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