Opinião

Interesse pela política no ambiente digital

No nosso país, há o mito de que a mulher não participa da política "porque não se interessa"

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PRISCILA LAPA

Publicado em 14/01/2024 às 19:54
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Se no Brasil os espaços para atuação da mulher na política ainda são repletos de obstáculos, nas redes sociais já é possível constatar o pioneirismo feminino quando se trata de interesse pelo tema. Foi o que revelou a pesquisa “Consumo de Mídias Digitais no Brasil”, realizada pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com a Atlas Intel, segundo a qual mulheres buscam mais informações sobre política no ambiente digital: são 50,4% contra 49,6% dos homens.

No nosso país, há o mito de que a mulher não participa da política “porque não se interessa”. Os partidos políticos, por vezes, usam esse argumento para não cumprir a cota de gênero na composição das chapas. Por outro lado, muitos têm buscado dar visibilidade às candidaturas femininas, diante das pressões que parcelas da sociedade vêm fazendo para que haja maior equidade na representação feminina nos parlamentos e nos demais espaços de poder.

Mas é fato que, quando se trata do apoio efetivo para que essas candidaturas sejam competitivas, com a distribuição de recursos e estrutura das campanhas, há uma grande disparidade. Os relatos de mulheres que se sentiram menosprezadas em suas campanhas, que não tiveram as promessas de apoio cumpridas, não são fato isolado. Pelo contrário. É comum, inclusive, que muitas delas desistam de prosseguir na vida pública após as decepções nas suas primeiras tentativas.

A ampliação da comunicação digital se tornou um meio de reverter processos arraigados nas democracias. Aproximar representantes e representados, reduzindo a necessidade de intermediações, é um desses aspectos. Outro é a expansão das possibilidades de comunicação e propagação de informações, fazendo com que temas antes mais restritos a determinados segmentos da sociedade passem a compor o repertório de um amplo número de cidadãos.

A pesquisa da FGV identificou também um predomínio das mulheres no consumo por informações sobre educação (53% x 47%), que já é o principal público diário do assunto na rede social Instagram. A economia figura como o terceiro tema mais acessado pelos brasileiros (ao lado da política e da educação), no entanto é um campo mais buscado por homens do que pelas mulheres (59% a 41%). Trata-se de uma lacuna significativa, já que compreender sobre temas econômicos é importante para quem deseja atuar na esfera pública.

A disseminação de notícias falsas, um dos aspectos perniciosos da expansão da comunicação pelos meios digitais, com forte influência na política, sobretudo na formação cidadã, é alvo de preocupação de parcela dos brasileiros, ainda de acordo com o levantamento da FGV. Entre as pessoas que acessam conteúdos de política nas redes sociais, 57% dizem acreditar que a nocividade da desinformação é “muito grave” para a democracia, outras 11% dizem que é “grave”. Ja´ 29% dos entrevistados relativizam a nocividade da desinformação, definindo-a como “não tão grave” (12%) e “não é uma ameaça” (17%). Ou seja: ainda há que se evidenciar o fenômeno de forma que a população enxergue os mecanismos que engendram a propagação das “fake news”, pois, sem dúvidas, o combate a elas passa não apenas por instituir mecanismos punitivos, mas estabelecer novos padrões de comportamentos políticos mais salutares para a convivência democrática.

As mudanças sociais nem sempre são óbvias e quase nunca são gestadas por uma única via. Quase sempre há a conjugação de fatores para que elas ocorram. Ampliar conhecimentos sobre política e economia certamente é uma forma de expandir a consciência cívica e fazer com que as mulheres ganhem força no processo de ocupação de novos espaços de poder. Atentar para como isso tem se desdobrado de forma concreta nas disputas político-partidárias é tarefa importante para aqueles que crêem que a qualidade democrática passa pela equidade.

Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política

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