Educação Nacional: que futuro?
...nenhuma educação, por si só, pode impedir a barbárie. O que estará em jogo no Plano Nacional é um projeto de sociedade brasileira.
A Fundação Joaquim Nabuco, através de iniciativa de sua Presidenta, a Professora Márcia Ângela Aguiar, acaba de promover o encontro intitulado "FUNDAJ: RUMO À CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO 2024", na sede daquela Fundação.
Estavam presentes educadores de todo o Estado e as principais intervenções ficaram a cargo dos professores-pesquisadores Luis Dourado (UFG), João Oliveira (UFG), Ana Paula Souza (UFRPE-FUNDAJ) e Célia Santos (Fórum Estadual de Educação). O encontro teve intenção preparatória para a CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO a se realizar em Brasília nos dias 28, 29 e 30 de Janeiro próximos, de onde deverá sair o PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO 2024-2034. As análises, depoimentos, avaliações e diagnósticos ali apresentados a respeito do Plano que agora expira, são tristemente desencorajantes e desastrosas para a educação nacional.
Basta dizer, de início, que 85% das metas daquele Plano não foram atingidas naquele período, pela conjunção calamitosa da pandemia com a irresponsabilidade criminosa -e ainda mais calamitosa- dos governos Temer-Bolsonaro. A Meta 20, por exemplo, prevendo atingir um patamar de financiamento da educação nacional da ordem de 10% do PIB, não ultrapassou 5,1% nos melhores anos do período!
A Universidade também não foi nem referência nem prioridade, para tornar o quadro ainda mais desastroso: com a massiva privatização do ensino superior (inclusive com empresas educacionais cotadas em Bolsa de Valores!), somente 16% das matriculas, entre 18 e 24 anos e idade, se deram no ensino superior público, enquanto que 77% ocorreram no ensino privado. A esse avanço privatista e antirrepublicano se acrescenta a proposta da "homeschooling" e dos projetos de EaD financiados, geridos e executados por conglomerados empresariais ligados à educação. Tal empreendedorismo privatista significa, a desregulamentação da educação e a dispensabilidade de uma legislação nacional (uma Lei de diretrizes e bases) e de centros de formação (Licenciaturas), assim como de órgãos fiscalizadores da função magistério e da administração escolar!
Tudo indica que a elaboração do Plano Nacional (2024-34) será a arena de um embate político, ideológico e pedagógico ainda mais acirrado do que aquele que produziu a primeira LDB (1961), que levou 13 anos em tramitação no Congresso - do projeto Clemente Mariani até o substitutivo Carlos Lacerda- em que o miolo da discussão se concentrava no financiamento público da educação (exclusiva para a escola pública, ou também para as privadas confessionais?). Não bastasse tudo isso, ainda perdemos a soberania avaliativa (docimológica) sobre a qualidade de nossa educação, submetida a imperativos externos e inadequados à realidade e aos projetos nacionais, ditados pelo PISA.
O professor Luis Dourado observou que não basta pensar o planejamento, mas é necessário refletir sobre sua factibilidade e os meios de realização. E esta realização - republicana e fiscalizável pelo poder público- não é um atributo exclusivo da educação, centrado numa "política educacional": é aqui onde o conceito de EPICENTRO que ele cunhou, ganha sua pluridimensionalidade. Explico.
Nossa época deposita na EDUCAÇÃO a crença e a esperança que o Iluminismo, por exemplo, depositou no "uso da Razão". Aliás, se notarmos bem, cada época de nossa história ocidental concentrou e apostou suas fichas num instituto "salvacionista", soteriológico: os gregos antigos na política e na vida especulativa; a Idade Média na religião; os modernos, na razão, na ciência (e na "revolução"!). Os "pós-modernos" acham que tudo isso não passa de "metanarrativas", uma história que contamos para nós mesmos que possa justificar o que somos e o que pretendemos ser.
Nossa época parece que está apostando na EDUCAÇÃO (crítica, empreendedora, cívico-militar, profissional, meritocrática, cidadã, republicana, democrática, igualitária, inclusiva, decolonial, identitária, competitiva...), mas fica claro que sem políticas inter-setoriais, tendo a educação apenas como "epicentro", nenhum projeto civilizacional é viável. E já estamos muito atrasados!
Lembro que Adorno dizia que "Nenhum poema pôde impedir Auschwitz!". Podemos dizer que nenhuma educação, por si só, pode impedir a barbárie. O que estará em jogo no Plano Nacional é um projeto de sociedade brasileira.
Flávio Brayner, professor Emérito da UFPE e Visitante da UFRPE