OPINIÃO

Cidadania, governo digital e exclusão

Na era atual, está em curso a transformação dos governos para que possam funcionar dentro dos parâmetros da era digital

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PRISCILA LAPA

Publicado em 29/01/2024 às 6:00
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Herdada do latim Civitas, que significa “cidade”, a palavra cidadania expressa uma condição política, com a previsão de direitos a serem exercidos na relação do indivíduo com o Estado. Na Constituição Brasileira de 1988, a cidadania foi um dos elementos fundamentais, daí a nossa Carta Magna ser apelidada de “Constituição Cidadã”. Portanto, em tese, prover as condições para o exercício pleno dos direitos pelos cidadãos, deveria ser a medida de todas as decisões no âmbito das três esferas da administração pública.

Na era atual, está em curso a transformação dos governos para que possam funcionar dentro dos parâmetros da era digital. Esse movimento está presente nas democracias contemporâneas, com experiências exitosas que já podem ser compartilhadas entre os países, a partir de princípios como “foco do cidadão”. A partir de métodos para aprimorar a experiência do usuário nas empresas privadas, dentro do governo digital é possível realizar a transformação de processos, a partir de premissas como: serviço público único para um cidadão único; simplicidade, facilidade e agilidade; disposição para lidar com ambientes complexos. Uma das máximas para essa simplificação de processos é: “se quer que alguém use alguma coisa, torne-a simples”.

Historicamente, a administração pública brasileira é vista pela maior parte dos cidadãos, a partir de experiências concretas, como ineficiente, excessivamente burocrática, complexa e inacessível. Com a pandemia da Covid-19, algumas mazelas arraigadas se tornaram ainda mais evidentes, pois a maior parte das instâncias administrativas brasileiras não estavam preparadas para um atendimento por meio de canais que transcendem o balcão físico. A partir disso, algumas mudanças (para melhor) foram verificadas, com a aplicação de uma infraestrutura tecnológica mínima, que já permitiu uma interação mais simples e humanizada entre o poder público e a comunidade. Mas ainda há um longo caminho pela frente quando pensamos na prestação de serviços pela via digital, sobretudo nas instâncias mais próximas dos cidadãos, que são os municípios.

A pesquisa TIC Domicílios 2022 apontou que 36 milhões de pessoas não têm acesso à internet no Brasil. O grupo dos excluídos digitalmente é formado majoritariamente por pessoas com mais de 60 anos; negros; pessoas com escolaridade até o ensino fundamental e integrantes das classes D e E. O processo de transformação digital dos governos precisa considerar soluções para trazer essas pessoas para o século XXI, pois, além do acesso à internet, é preciso investir no letramento digital, que é a capacidade de interagir e compreender a linguagem desse universo.

No Brasil, a Lei do Governo Digital (lei federal 14.129/21) propõe estratégias para fortalecer a construção de um governo 100% digital, aberto, com foco no usuário e na eficiência dos serviços. Como todo dispositivo legal, é preciso que os gestores públicos encontrem meios para sua efetivação, para que se desdobre em ações com impactos no dia a dia da sociedade. É por isso que essa agenda deveria estar presente nos debates eleitorais de 2024, afinal será a eleição com foco nos problemas locais de cada cidade. Experiências como a do aplicativo Conecta Recife, que une uma série de serviços públicos e informações úteis, de forma simples e acessível, provam que é possível uma nova forma de relacionamento Estado-cidadão. A tarefa é para ontem.

Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política

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