A indústria na cadeia global de valores
O Brasil tem que vencer, e de forma rápida, o grande atraso histórico que carrega na educação e na qualificação profissional.
A Política Industrial lançada na semana passada pelo governo federal acerta quando manifesta a preocupação com a baixa e estagnada produtividade da indústria brasileira e na definição de alguns dos objetivos, como a transformação digital da indústria, a consolidação do complexo industrial da saúde e a aposta na economia verde (bioeconomia e transição energética). No entanto, a Política Industrial se concentra na oferta de linhas de crédito especiais, subvenções à indústria e na "política de compras públicas" com incentivos ao conteúdo local. A política parece ter sido formulada para outra época da história da economia mundial, desconhecendo o processo de globalização com a integração dos países nas cadeias globais de valor, que vai da concepção do produto, até a venda final, com a distribuição geográfica dos diversos elos. Na maioria das cadeias de valor, os elos mais rentáveis não estão na produção industrial, e sim, no design, na pesquisa e desenvolvimento tecnológico, e na inovação, distribuídos em vários países de acordo com a sua competência, maior qualidade e menor custo.
A Política Industrial insiste no chamado "componente nacional" do suprimento de insumos, serviços e tecnologias da "nova indústria" que pretende construir, nova forma de protecionismo que incorpora as teses ultrapassadas de substituição de importações, dominantes na segunda metade do século passado. A economia mundial era outra e, mesmo assim, os resultados foram limitados, porque o processo de expansão da indústria brasileira não foi acompanhado de um grande esforço na educação e na formação profissional, condição para o aumento da produtividade. Os países emergentes da Ásia que se desenvolveram nas últimas décadas do século passado, como a Coreia, entenderam isso. Por outro lado, apostaram mais nas exportações que na substituição de importações. E mesmo a China das últimas décadas, citada como exemplo pelos economistas do governo, adotou uma estratégia ousada e muito bem-sucedida de exportação, utilizando recursos para atração de investimentos externos, que olhavam também para o tamanho do mercado interno.
O protecionismo, mesmo quando fantasiado de "componentes nacionais", desestimula a inovação e o aumento da produtividade da indústria protegida da concorrência internacional, tendendo a comprometer a qualidade e elevar os custos de produção. Além disso, é provável que esses mecanismos protecionistas da nova Política Industrial dificultem a conclusão de acordos comerciais bilaterais ou multilaterais, acrescentando novos complicadores nas negociações em torno do acordo MERCOSUL-União Europeia. Na direção contrária, o economista Edmar Bacha vem defendendo um processo de abertura externa gradual e planejada, que levaria a um aumento das importações de produtos e insumos com maior conteúdo tecnológico.
De fato, a indústria brasileira não terá condições de dar saltos na produtividade, o que permitiria assumir posições em alguns dos elos da cadeia global de valor, enquanto o protecionismo impedir a importação de máquinas, equipamentos e insumos de alta intensidade tecnológica. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico e os incentivos à inovação, previstos na Política Industrial, são muito importantes, mas, insuficientes para gerar ganhos de produtividade relevantes enquanto houver protecionismo e subsídios a determinados segmentos da indústria.
A integração competitiva do Brasil na economia mundial, ocupando espaços em elos importantes na cadeia global de negócios, requer um processo combinado de abertura externa - viabilizando o acesso de insumos e equipamentos de alta tecnologia e estimulando a disputa concorrencial da indústria nacional - com investimentos ousados para elevação da competitividade sistêmica. Para isso, o Brasil tem que vencer, e de forma rápida, o grande atraso histórico que carrega na educação e na qualificação profissional.
Sérgio Buarque, economista