OPINIÃO

Sobras eleitorais e câmaras municipais unipartidárias

Independente da modulação, o provimento pela colenda Corte do objeto central das ADIs resgata o pluralismo político ao afastar a possibilidade de na eleição de 2024 aparecerem inúmeras câmaras municipais unipartidárias, notadamente aquelas menores, de poucas vagas legislativas.

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MAURÍCIO COSTA ROMÃO

Publicado em 05/02/2024 às 0:00 | Atualizado em 05/02/2024 às 6:58
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Pela legislação das eleições proporcionais do país (Lei 14.211/21 e Resolução TSE 23.677/21) somente poderão concorrer às sobras de voto partidos ou federações com votação de pelo menos 80% do quociente eleitoral (QE) e candidatos com votação nominal de no mínimo 20% desse QE.

A evidência empírica do pleito de 2022 mostrou inúmeras distorções derivadas do novel regramento, a par de ofensas ao princípio da igualdade de chances, ao pluralismo político, à representação das minorias e aos fundamentos do sistema proporcional.

À guisa de ilustração de uma dessas distorções, imagine-se que apenas um partido P consiga ultrapassar o QE de uma dada eleição municipal e que nenhuma outra sigla haja alcançado 80% do QE.

De acordo com a norma sob invectiva, o processo de alocação de vagas legislativas consiste de três etapas:

Na 1ª etapa, as vagas são preenchidas apenas pelos partidos que superaram o QE, e com candidatos com votação pelo menos 10% desse QE. Os lugares não ocupados são distribuídos por sobras de voto pelo critério das maiores médias;

Como, por construção, apenas o partido P atingiu mais de 100% do QE, segue-se que apenas tal partido terá direito às vagas dessa 1ª etapa, tantas quantas ditarem o seu quociente partidário.

Na 2ª etapa, as vagas por sobras são preenchidas pela regra dos 80-20 (partidos e candidatos com votação de no mínimo 80% e 20% do QE, respectivamente);

Por ter sido o único com votação superior 80% do QE, apenas P participaria da 2ª etapa, conquistando vagas até quando não tenha mais candidato com o requisito de votação mínima de 20% do QE.

Na 3ª etapa, havendo ainda lugares remanescentes, estes serão ocupados apenas pelos partidos que tenham votação de pelo menos 80% do QE (o requisito de 20% do QE é flexibilizado).

Sem o obstáculo de 20% do QE, o partido P consegue preencher também todas as vagas sobrantes desta etapa, ainda que elegendo candidatos com baixas votações (contrariando, paradoxalmente, as justificativas que ensejaram a instituição da regra dos 80-20).

Noutro dizer, quando somente um partido supera o QE, e nenhum outro alcança os 20% desse QE, todos os parlamentares eleitos para o Legislativo seriam desse partido, ferindo os ditames constitucionais do pluralismo político (art. 1, V da CR/88). Este é o espectro que assombra as eleições de 2024.

Mas a 3ª etapa está sub judice no STF, através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7228, 7263 e 7325, impetradas pelos partidos REDE, Podemos/PSB, e Progressistas, em respectivo.

Argumentam os demandantes, em apertada síntese, que na 3ª etapa da distribuição de vagas (a da "sobra das sobras"), deveriam concorrer aos lugares remanescentes, pelo critério das maiores médias, todas as siglas participantes do pleito, dispensadas as exigências da regra dos 80-20.

Nesta senda, fortificando as razões dos requerentes, democratiza-se o processo de distribuição das sobras eleitorais facultando-se que siglas com boas votações, ainda que abaixo de 80% do QE, possam ascender ao Parlamento.

O julgamento das Ações ajuizadas no STF está pautado para 8 de fevereiro vindouro. O placar parcial até agora é de unanimidade no que tange ao acatamento do mérito das irresignações, havendo divergências, contudo, no que diz respeito à modulação dos efeitos temporais da decisão, se ex-nunc, com vigência a partir do pleito de 2024, ou ex-tunc, desde a eleição de 2022.

Independente da modulação, o provimento pela colenda Corte do objeto central das ADIs resgata o pluralismo político ao afastar a possibilidade de na eleição de 2024 aparecerem inúmeras câmaras municipais unipartidárias, notadamente aquelas menores, de poucas vagas legislativas.

Maurício Costa Romã,  Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. [email protected]

 

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