Opinião

"Você gosta dessa música?"

Os professores Antonio Nigro e Flávio Medeiros, do Departamento de Música da UFPE, são os responsáveis pelo projeto de extensão "MÚSICA NO MEMORIAL", que entra em sua terceira temporada

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FLÁVIO BRAYNER

Publicado em 12/02/2024 às 17:28
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O filósofo alemão, membro proeminente da chamada Escola de Frankfurt, Theodor Adorno (1903-1969) havia completamente desacreditado que a cultura elaborada ainda pudesse se contrapor a Zivilisation (o mundo das mercadorias e da reprodução): a chamada “cultura de massas” – domínio do “entretenimento”- absorvera a Kultur (a vida espiritual) no mercado, bloqueando nossa possibilidade de distanciamento crítico, e esta ausência de pensamento abria as portas para os regimes fascistas. Em seu pessimismo cultural, Adorno achava que a música dodecafônica (a escola vienense de Berg e Schöenberg) era, talvez, a reserva estética que nos restava capaz de manter a distância requerida entre entretenimento, alienação e possibilidade de existência da crítica à chamada “indústria cultural”.

Os professores Antonio Nigro e Flávio Medeiros, do Departamento de Música da UFPE, são os responsáveis pelo projeto de extensão ”MÚSICA NO MEMORIAL”, que entra em sua terceira temporada (Abril) com uma novidade, em que os recitalistas convidados se apresentam aos domingos às 11:00 horas da manhã, naquele Memorial de Medicina (Praça do Derby) e, antes de seus recitais, jovens alunos do Curso de Música (nas suas variadas especialidades) executam peças durante 15 minutos, sob a orientação daqueles dois professores: o objetivo do projeto é abrir espaço para que TALENTOS EMERGENTES ganhem visibilidade e, sobretudo, audibilidade! Qual a importância de uma tal iniciativa?

Voltemos a Theodor Adorno. Em uma passagem de sua “Estética” ele afirma que a pergunta – “Você gosta dessa música?” não tinha mais sentido, e isso não tinha nada a ver com a ideia de que “gosto não se discute”. Dizia respeito ao fato de que não temos mais o “ofício do gosto”, os critérios estéticos capazes de nos orientar no julgamento do gosto (Kant): a chamada Cultura de Massas havia pasteurizado, uniformizado a sensibilidade musical, introduzindo a efemeridade das produções e as “músicas de sucesso”. A chamada “Indústria Cultural” era não apenas responsável pela reprodução técnica ad infinitum da obra musical, que perdia assim a sua “aura” (W. Benjamin), seu caráter único e original, mas também por criar o que ele chamou de “semi-cultura”: aquilo que nos impede de pensar e que facilita a manipulação fascista.

Ora, a oportunidade que está sendo oferecida a estes jovens egressos do Curso de Música da UFPE, diz respeito não apenas à sua inserção num espaço musical sofisticado e exclusivo, mas também da preservação de um lugar estético não completamente dominado pelo “entretenimento” da cultura musical de massas: ali, naquele espaço, o “gosto musical” está orientado para critérios de avaliação mais elevados, baseados num conhecimento técnico, em estilos de época, em estratégias composicionais, em soluções harmônicas..., características, diria, essencialmente pedagógicas, quer dizer de uma “cultura pedagógica” e de uma “pedagogia cultural”: trata-se – e refiro-me ao projeto inteiro- de uma experiência extensionista capaz de oferecer aos ouvintes e frequentadores daquela sala - sob a batuta espiritual de Edson Bandeira de Mello e Josefina Aguiar, grandes professores e pianistas já falecidos- uma experiência musical partilhada e de poder, à la limite, responder com consciência estética àquela pergunta adorniana: “- Você gosta dessa música?”.

Flávio Brayner, professor Emérito da UFPE e Visitante da UFRPE

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