OPINIÃO

O exemplo da tenista Bia Haddad

Vamos continuar fracassando porque faltam líderes em nosso país que estejam de fato comprometidos com o aprendizado escolar de nossas crianças e de nossos jovens, e não em agradar a determinados setores corporativos da educação

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MOZART NEVES RAMOS

Publicado em 19/02/2024 às 0:00 | Atualizado em 19/02/2024 às 7:44
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Dediquei os últimos artigos desta coluna a analisar o Plano Nacional de Educação (PNE) que se encontra em curso, mas que se conclui ainda este ano sem alcançar a maioria das metas. De quem é a responsabilidade? Há um enorme silêncio dos principais responsáveis, ou seja, os entes federados - as três esferas de governo. Mas há também uma parcela de responsabilidade da própria sociedade, porque ou não entende o valor de um PNE para a qualidade da educação pública ou porque simplesmente considera que isso não é com ela - o que é um ledo engano: basta ler o Artigo 205 da Constituição Federal.

Vem aí o novo PNE (2024 - 2034), uma versão construída pela Conferência Nacional de Educação (Conae) já com muitos defeitos de partida, pois carrega a lógica de revogar as principais políticas construídas ao longo dos últimos anos, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e tudo o que dela emana.

É uma tristeza para um país que vem gastando bilhões de reais nessa área sem conseguir alcançar os resultados esperados, especialmente em termos de aprendizagem escolar por parte dos estudantes - que devem ser os maiores beneficiários de qualquer que seja o PNE.

O eixo II deste novo PNE trata de acesso, permanência e conclusão escolar, mas não se atreve a assegurar a aprendizagem dos estudantes. Precisamos preparar nossos jovens para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho. Estamos longe disso. E uma das razões é a falta de continuidade das políticas públicas com as transições de governo.

Penso que as lideranças que fazem a educação deste país deveriam se inspirar na tenista brasileira Bia Haddad Maia, cuja coragem, humildade e autocrítica foram muito bem captadas no artigo de Alexandre Cossenza - jornalista do UOL - intitulado "Beatriz Haddad Maia contra o vitimismo".

Ele narra a visão crítica que Bia teve de seu jogo depois da decepcionante derrota para a qualifier Maria Timofiêieva (20 anos, 170a. do mundo, no primeiro slam de sua carreira) na terceira rodada do Australian Open. Vejam, lideranças educacionais deste país, o que disse a tenista:

"Tive um jogo bem abaixo do que eu gostaria, especialmente na parte mental. Estou insatisfeita com o meu trabalho. Foi um jogo bem emotivo, no qual ainda existiam duas Bias, e a Bia mais emocional apareceu e não lidou bem com os momentos cruciais da partida. Não fui agressiva e também não fui sólida. Errei bastante. Isso não condiz com meu sonho e com meus objetivos".

"E ao longo do ano passado, especialmente nas semanas em que tive muito sucesso, aprendi que uma Bia não pode existir: aquela que joga com o coração na boca e fica muito emotiva. Acabei sendo domada por isso. Mas não desmereço o mérito da minha adversária. É preciso ter coragem para ganhar o jogo."

Em sua análise desta fala de Bia, o articulista se expressa com muita felicidade: "Não dá para buscar desculpas o tempo todo. Não dá para culpar o clima, o árbitro, a viagem, a companhia aérea, o piso, a chuva, etc. o tempo inteiro. Quanto mais fazemos isso, menos aprendemos sobre nós mesmos e sobre os motivos de nossos reveses".

Esses dois parágrafos da nossa tenista e essa análise de nosso articulista Alexandre Cossenza dizem tudo o que precisaríamos ouvir de nossas lideranças educacionais, que fracassam e não são capazes de reconhecer seus erros. Vamos continuar fracassando porque faltam líderes em nosso país que estejam de fato comprometidos com o aprendizado escolar de nossas crianças e de nossos jovens, e não em agradar a determinados setores corporativos da educação.

Mozart Neves Ramos,  titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE.

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