OPINIÃO

Quem é mesmo um grande homem?

O livro DIÁLOGOS SOBRE O COMANDO resistiu às transformações do século 20 e às modernidades do século 21. Sua leitura, que recomendo, serve de luz para enfrentarmos os tempos sombrios em que nós mesmos nos metemos.

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OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS

Publicado em 17/02/2024 às 0:00 | Atualizado em 17/02/2024 às 18:13
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DIÁLOGOS SOBRE O COMANDO (BIBLIEX, 1996), maravilhosa obra de André Maurois, completou um século de sua primeira edição.

Na época de seu lançamento, o texto causou furor entre os comentaristas franceses. A obra, baseada em um diálogo entre dois personagens que defendem pontos de vistas antagônicos, se tornou referência para estudo da liderança.

O Tenente C..., integrante do 7º Regimento de Dragões, é o propagador do autoritarismo e o Professor de Filosofia Sr. P..., mestre do Liceu de Paris, encarna o defensor da liberdade.

Em um prefácio posterior, datado de 1949, Maurois explica o impacto de suas experiências como combatente na linha de frente da 1ª Guerra Mundial, para então assumir a defesa dos chefes militares franceses contra uma opinião que se formava sobre as fraquezas morais e pouca eficácia de suas ações.

Concluiu, passados aqueles 25 anos, que o erro essencial do Tenente era exigir do chefe civil atributos éticos inerentes ao chefe militar. Mesmo sendo parte de uma mesma sociedade, civis e militares seguem trilhas paralelas.

Vigorosamente colocado ao Professor, o Tenente professa que se havia muitos políticos medíocres, era porque havia muitos homens medíocres.

Afiança, em outro momento, que a pior das Câmaras (uma alusão aos parlamentos) vale mais que a melhor das antecâmaras (quartinhos fechados onde se negociam prebendas), preferindo os eleitos pelo sufrágio universal com seus sortidos defeitos aos palacianos e conspiradores de ocasião.

Nas antecâmaras, o chefe se sente confortável por se fechar num círculo estreito cercado de bajuladores. Nessas circunstâncias, o racional processo de estudo da conjuntura e posterior decisão exclui espaço para a controvérsia, mesma a mais salutar.

Como reflexo, a resultante dessas circunstâncias são governos que crescem sem controles sociais e institucionais, nos quais o poder concedido pelo voto (ou qualquer outro meio democrático de escolha de lideranças) pouco a pouco se transforma em poder absoluto.

A liberdade é serotonina para o indivíduo pleno de cidadania. E ela não traz somente a felicidade. Ela oferece também mais segurança e bem-estar sociais.

Espraiando raios de esperanças, afirma o Tenente que "as tiranias atraem os espíritos medíocres, mas os homens livres e conscientes, a elas jamais se submetem".

Em outro diálogo, o autor explica a importância de construir justa e sustentada resistência contra aqueles que objetivam o poder pelo poder, porquanto, a consciência política deve ser tão exigente quanto a consciência moral no verdadeiro cidadão.

Em sua análise sobre o papel dos militares, destaca que os soldados profissionais, quando submetidos institucionalmente ao poder civil, estão à salvo das perigosas ilusões de poder. Quanto mais afastado da afrodisíaca sensação de tudo poder, mas claramente o homem em armas encaminha sua missão de servo da nação.

Apesar de identificar essa subordinação, o autor, quando incorporado no personagem do Tenente, não tergiversa quanto ao desprezo que nutre aos políticos diante da vulgaridade que os veste para conduzir organizadamente assuntos da guerra.

Na réplica a essa assertiva, o Professor de Filosofia lhe mostrou que um julgamento com tal viés, e que ele considera político, não é consistente e está desviado por apontar como antagonista a figura humana e não um fato, uma ação.

Tempos nos quais as lideranças se oxigenam apenas nos cilindros de gás que exalam sabujice. Tempos nos quais as lideranças estando narcotizadas por aquela adulação servil são incapazes de compreender esta fala do Tenente:

"O verdadeiro grande homem não se curva para fazer à glória uma reverência senil. Os bajuladores tentam corrompê-lo, mas se ele é mesmo grande, esses só conseguem aborrecê-lo".

Quão atual é a obra de André Maurois! Quem, dentre tantos candidatos ao poder - e refuto chamá-los de líderes -, tem-se mostrado mesmo grande nos últimos tempos?

O livro DIÁLOGOS SOBRE O COMANDO resistiu às transformações do século 20 e às modernidades do século 21. Sua leitura, que recomendo, serve de luz para enfrentarmos os tempos sombrios em que nós mesmos nos metemos.

Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

 

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